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domingo, setembro 08, 2013

Mesmo nas escolas, crianças pobres ainda sofrem com alfabetização defasada



Professores da rede municipal denunciam perda de autonomia pedagógica e aprovação automática

A Unesco aproveita o Dia Internacional da Alfabetização, em todo 8 de setembro, para alertar sobre os índices de alfabetização no mundo e apontar metas e impasses. Destes, costuma destacar a dificuldade das crianças terem acesso às escolas. Nas escolas públicas municipais do Rio Janeiro, no entanto, o acesso de crianças pobres às escolas não é mais um problema. A questão agora é a forma como o sistema lida com suas necessidades.
Alunos das escolas públicas municipais costumam chegam ao 4° ano do Ensino Fundamental sem conseguir ler um texto de forma adequada, mesmo as que frequentam as aulas regularmente, alertam professores da rede. Para eles, o problema é claro: falta de autonomia para adaptar os métodos e conteúdo a cada turma e aluno; e a tal aprovação automática no 1° e no 2° ano, que faz com que deficiências sejam acumulados até o 3° ano. A falta de autonomia pedagógica, inclusive, é uma das pautas da greve dos professores da rede, que já vigora há um mês, e que deve seguir até a próxima terça-feira, quandoprofissionais realizarão nova assembleia.
Professoras apontam deficiências do sistema de alfabetização nas escolas públicas do Rio
Professoras apontam deficiências do sistema de alfabetização nas escolas públicas do Rio
>> Após assembleia, professores decidem manter greve
Nos anos 1980, as crianças de famíliasmuito pobres estavam fora das escolas públicas, que eram um privilégio da elite, como reforça Ludmila Thomé de Andrade, professora de Formação de Professores da Universidade Federal Do Rio de Janeiro. As dificuldades de ensino nas escolas públicas, ela diz, com o maior acesso, foram crescendo. No Rio de Janeiro, nos últimos anos, a prefeitura criou novos projetos para melhorar a qualidade do Ensino Fundamental, fazer com que os alunos aprendam a ler efetivamente e que tomem gosto pela leitura. É o que destaca a coordenadora de ensino Fundamental da Secretaria Municipal de Educação (SME) do Rio de Janeiro, Ana Christian. 
A coordenadora afirma que enquanto, em 2009, 13,6% dos alunos do 4°, 5° e 6° ano (antigas terceira, quarta e quinta séries) apresentavam leitura deficiente, agora, o percentual se restringe a 4,1%, o que superou a meta da secretaria de chegar a 2012 com um índice de 5%. Ela comenta que, desde 2009, o município tem um currículo unificado para a rede, com materiais de apoio pedagógico e acompanhamento das necessidades dos alunos. Salas de aula receberam bibliotecas com 120 títulos e salas de leitura. Em 2012, complementa, a SME também assinou o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa, reforçado pela criação do Pacto Carioca pela Alfabetização no 1° ano do Ensino Fundamental.
Para professores do Ensino Fundamental, no entanto, o acompanhamento e a melhora apresentada pelos números não é real. Marcia Santos, professora da rede municipal no Ensino Fundamental, acredita que o resultado positivo apresentado pela secretaria é uma mentira. Ele reclama do sistema de aprovação garantida no 1° e no 2° ano, que garante que os alunos cheguem ao terceiro ano com um acúmulo de dificuldades por um tempo que não pode mais ser recuperado. Ela comenta que 32% dos alunos que chegam ao quarto ano, por exemplo, não conseguem ler corretamente. 
"São três anos defasados. Esse sistema de não poder reprovar no 1° e no 2° ano, sem considerar as dificuldades encontradas pelos alunos, faz com que eles cheguem ao 3° ano com um ensino atrasado. E, quando chegam ao terceiro ano, quando podem repetir, se repetirem muitas vezes, somos forçados a aprová-los. A situação não melhorou em nada nos últimos anos, está tudo igual", ressaltou.
A coordenadora de Ensino Fundamental da SME avalia que as dificuldades ainda são muitas, mas que a secretaria tem a preocupação de manter uma orientação constante de alunos e professores. "O terceiro ano [do Ensino Fundamental] é um ano que sempre nos preocupa. Por isso temos cuidado em oferecer consultorias e formação aos professores para que nenhum menino seja reprovado. Os desafios são muitos, temos 700 mil alunos, mas a gente está trabalhado com essa crença de promover a alfabetização na idade certa".
As professoras Monica Santos, Sonia Cristina, Shirley Ortiz e Sanda Santos, destacam ainda outros problemas, além da aprovação automática nos primeiros anos do Ensino Fundamental. Para elas, o material oferecido pela Prefeitura não é bom e ainda aprisiona os professores aos seu conteúdo, que muitas vezes não condiz com a realidade de determinados alunos.
"Eles tiraram a autonomia dos professores. Querem que o professor alfabetize da maneira deles. Mas cada aluno tem uma realidade e necessidade diferente. É preciso que os professores tenham a liberdade para criarmelhores formas de ensino para o aluno, não que fique preso a um método genérico. Não dá certo. O material deveria ser de apoio, mas é imposto. Isso é uma escravidão pedagógica", alerta Monica Santos, professora do primeiro ano do Ensino Fundamental.  Ela destaca ainda que, entre seus alunos, 40% precisam de reforço, mas não recebem.
De acordo com elas, o reforço oferecido aos alunos pelo novo sistema não é realizado em todas as escolas e, quando acontece, não é suficiente, já que se restringe a uma hora de aula por semana a diversos alunos ao mesmo tempo. Outro problema é o desrespeito da rede municipal à decisão do Conselho Nacional de Educação de permitir que os professores tenham 1/3 de sua carga horária destinado ao planejamento das aulas.
Outros números completam o panorama da educação no Rio de Janeiro. No Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM), anunciado em julho, a capital fluminense, que em 1991 aparecia entre os dez maiores do país, agora está no 45º lugar. O IDHM mede a qualidade de vida da população a partir dos critérios de renda, saúde e educação.
No último Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), por sua vez, a cidade do Rio alcançou a meta, com crescimento de 6%, acima dos 5.1 pontos registrados no ano anterior. De cada cem alunos, nove foram reprovados. A curva também é ascendente, ao contrário da curva das escolas públicas estaduais do Rio de Janeiro, que subiu para 5.1 pontos em 2007, foi caindo ao longo dos anos e em 2011 ainda não havia atingido o patamar anterior. 
A taxa de analfabetismo também está melhorando, de acordo com o Censo Demográfico do IBGE 2000/2010. No período, a porcentagem de maiores de 15 anos analfabetos na cidade do Rio de Janeiro saiu de 4,4% para 2,9% - melhor que o da capital paulista, que ficou com 3,2%, e de Porto Alegre, que ficou com 3,5%.
A questão, porém, esbarra na eficiência da alfabetização das crianças. Da alfabetização rudimentar à plena, há um grande caminho a ser percorrido. Costuma-se considerar quatro níveis de aprendizado: analfabetos, que não conseguem realizar leituras simples; alfabetizados em nível rudimentar, que identificam informações em textos curtos e familiares, leem e escrevem números e realizam operações simples; alfabetizados em nível básico, que leem e compreendem textos de média extensão, localizam informações, leem números na casa dos milhões; e, por fim, os alfabetizados em nível pleno, que podem ler e analisar textos longos, distinguem fato de opinião, realizam sínteses.
No mundo, 774 milhões de adultos não sabem ler e escrever
Escola para mulheres no Timor-Leste, no Sudeste asiático
Escola para mulheres no Timor-Leste, no Sudeste asiático
Mais de 84% dos adultos (maiores de 15 anos, para a Unesco) do mundo inteiro estão alfabetizados, de acordo com a última pesquisa do Instituto de Estatísticas da Unesco (UIS, na sigla em inglês). O número representa um avanço de oito pontos percentuais desde 1990, mas revela que ainda existem 774 milhões de adultos que não conseguem ler nem escrever - mais de toda a população do Brasil, dos Estados Unidos, da Argentina e do México, juntas. Dois terços dessas pessoas são mulheres.
A maioria dos analfabetos estão concentrados no Sul e Oeste da Ásia e na África Subsaariana. Mas, mesmo em regiões consideradas desenvolvidas, a situação é complicada. Na Europa, um em cada cinco jovens tinham fracas habilidades de leitura, em 2009.
Para a Unesco, as estatísticas reforçam a dificuldade de reduzir os índices de analfabetos, e realça a necessidade de melhorar a qualidade da educação - do treinamento dos professores à relevância do conteúdo e método de ensino, que, reforça a Unesco, demonstram que as políticas do governo estão dando certo.
"A situação fica exacerbada com o avanço das novas tecnologias e sociedades mais complexas que fazem da habilidade de ler e escrever o que há de mais essencial", diz o diretor-geral da Unesco, Irina Bokova. "A alfabetização é a primeira condição para o diálogo e a comunicação para novas sociedades conectadas. Pessoas jovens precisam de novas habilidades para entrar e ter sucesso no mercado de trabalho: conhecimento de diversas línguas, conhecimento da diversidade cultural, aprendizagem ao longo da vida. (...) No século XXI, mais do que nunca, a alfabetização é a pedra angular da paz e do desenvolvimento", complementou.
Um colóquio internacional será realizado na nesta segunda-feira (09/09), em Paris, como parte das celebrações do Dia Internacional da Alfabetização.
Pamela MascarenhasFonte: Jornal do Brasil

Um comentário:

Unknown disse...

Deveria ser proibido a aprovação automática nas escolas. Assim, alunos passam de série sem conhecimento nenhum, e isso é totalmente prejudicial.
Beatriz Silva, n°7 T: 2002

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