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sexta-feira, março 24, 2017

História Regional e Local 1ª Parte

A afirmação da historiografia nacional

A historiografia brasileira está impregnada por narrativas que discursam sobre a nação, a pátria, a sociedade, o Estado brasileiro. Esta afirmação, longe de ser tautológica, designa o lugar que o recorte temático “nacional” assumiu entre os historiadores brasileiros. Os grandes textos, os clássicos da historiografia, aqueles que tomaram lugar no panteão consagrado pelo pensamento político e social, lidos como referências obrigatórias nas nossas universidades, escritos pelos que se tornaram nossos mestres historiadores, remetem-nos, inequivocamente, à uma História do Brasil.

Essas referências nos levam de volta ao século XIX, momento de constituição do Estado brasileiro. O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e o atual Arquivo Nacional, ambos criados em 1838, encabeçaram, à época, o conjunto de forças institucionais no campo de produção de uma historiografia nacional. Os dois, em um esforço sistemático de recolhimento e catalogação de fontes documentais e de elaboração de narrativas sobre o Império, produziram memórias fundadoras da nacionalidade. Foram edificados sob os auspícios de um governo monárquico que, orientado pelo princípio da centralização e pelo temor da fragmentação territorial – vista como um dos males da América hispânica -, tornou-se um dos principais agentes interessados em apagar e soterrar memórias e referências de pertencimento marcadas por localismos e regionalismos.3 Nessa perspectiva surge a História Geral do Brasil, de Francisco Varnhagen, em 1854, e as suas “traduções escolares”, em especial aquelas escritas pelo romancista Joaquim Manuel de Macedo, em 1861 e 1863.4

No século XX, os esforços em tornar “brasileiros” todos os que viviam em “terras do Brasil” mobilizou tanto intelectuais como dirigentes estatais. A pesquisa empreendida pelos modernistas dos anos 20 em diante, visava aflorar os traços da nacionalidade brasileira escondida sob os ideais cosmopolitas predominantes nas elites intelectuais do início do século. Nas palavras de Gilberto Freire,em 1926, precisavam sentir o “grande Brasil” que crescia em oposição aos que teimavam ver as coisas “através do pince-nez de bacharéis afrancesados”.5

A nacionalização da escola, a partir da obrigatoriedade do ensino na língua portuguesa e a sedimentação de conhecimentos de História e Geografia do Brasil; as grandiosas comemorações de festas cívicas nacionais, como o Dia da Bandeira, Dia da Raça, Dia do Trabalho; e a criação de agências nacionais de fomento às artes nacionais foram algumas das políticas culturais do Estado Novo (1937-1945). Este foi o único período da República brasileira a impor constitucionalmente o unitarismo político, negando autonomia política-orçamentária-legislativa das localidades estaduais e municipais.

A democratização após a II Guerra Mundial levou à tematização nos meios políticos e intelectuais do caráter “subdesenvolvido” da economia e da sociedade brasileira. Os anos 50 ensejaram projetos nacional-desenvolvimentistas, que articulavam os meios para romper com o que se considerava o atraso econômico e cultural da nação. O Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), criado em 1955 e sediado no Rio de Janeiro, reuniu parcela da intelectualidade que, imbuída de convicções acerca da urgência das transformações, pari passu ao Plano de Metas JK (“Cinquenta anos em cinco” – 1956-60), divulgava através de cursos, palestras e textos impressos a “significação do nacionalismo”6 .

Durante os governos autoritário militares (1964-1985), os dirigentes impulsionaram políticas de integração nacional de largo espectro, desde a construção de estradas “integradoras” de várias regiões até a criação de um aparato tecnológico que desse conta da nacionalização dos meios de comunicação, isto é, da difusão de valores e bens simbólicos. A Rede Globo de Televisão, que veio a se tornar, da década de 70 aos dias atuais, a principal rede de televisão do país, em caráter quase monopolista, cresceu na esteira dessas transformações, construindo, a partir do Rio de Janeiro, uma imagem de um Brasil moderno, urbano e nacional. 7

Sintonizada com as transformações mundiais do ofício do historiador – desde a constituição de novos objetos e métodos, passando pela ampliação dos domínios e territórios da historiografia até a discussão dos estatutos e das fronteiras da disciplina –, a moderna historiografia brasileira, posterior à implantação da Pós-graduação nos anos 70, reiterou fortemente o foco na Nação e/ou no Estado nacional.8 Algumas vezes, entretanto, ao anunciar a tematização do nacional, algumas obras focalizavam especificamente algumas regiões, tomando a parte pelo todo, isto é, supostamente a região que foi objeto de estudo deveria ser paradigmáticas das experiências ocorridas em todo o Brasil. Lembro, apenas como exemplo, estudos sobre industrialização, movimento sindical e movimentos abolicionistas, onde os historiadores assumiam que os processos ocorridos ora na cidade de São Paulo, ora na do Rio de Janeiro, seriam exemplares, constituindo-se não em uma determinada experiência, mas na História do Brasil.

Questões para a reflexão:

01) Onde no campo da historiografia, se insere a História Regional e Local?

02) Quais os problemas que se colocam para este campo?

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