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terça-feira, agosto 18, 2020

A percepção da educação desde a perspectiva sociológica - Parte 4

 File:T. Parsons.jpg - Wikimedia Commons

A sociologia da educação de T. Parsons

65A obra que resume melhor a contribuição específica de Parsons para a sociologia da educação é The school class as a social system, publicada em 1959. Nesta obra, a escola é percebida como um subsistema social essencial, como agência de socialização e de diferenciação social. Além disso, está focalizada na sociologia da sala de aula (quando estuda a escola primária) e do centro escolar (no caso da escola do ensino secundário). Sua perspectiva ideológica é apenas relativamente parecida com a de Durkheim, de cujo objectivismo prescinde para adoptar uma orientação psicossociológica weberiana de corte reducionista. Mas, reproduz a visão durkheimiana da escola como «microcosmos social» especializado na homogeneização moral e na diferenciação pré-profissional dos cidadãos:

«O sistema escolar é um microcosmo do mundo laboral adulto, e a experiência nele constitui um campo muito importante de actuação dos mecanismos de socialização da segunda fase [a primeira é a família], a especificação das orientações do papel» (Parsons 1976, apud MIR 1990: 351).

66É na escola que a criança vai, gradualmente, construindo a sua própria identidade, e é capaz de fazê-lo porque «gasta várias horas diárias fora de casa submetida a uma disciplina e a um sistema de recompensas essencialmente independente do administrado pelos pais» (PARSONS 1985: 53).

67Nesta perspectiva, a escola primária representa a transição entre a família e a escola secundária, e, nesta fase, o mais importante é a ênfase na aprendizagem da motivação da realização e sua avaliação diferencial, pública e objectiva. Pois, no ensino secundário aumenta a internalização neutral, sem emoção e puramente abstracta da cultura e dos modelos mais universais do ser humano.

68A socialização na sala de aula — e mais tarde no espaço escolar — exige a aquisição de habilidades específicas para desempenhar os papéis de adulto e a aptidão adequada para desempenhá-los de forma responsável; quer dizer, para comportar-se da maneira que os outros esperam que se desempenhe cada papel específico. Mas, além disso, o aluno deve também identificar-se com os valores sociais dominantes e orientar-se para o exercício futuro de uma função ou um papel social mais ou menos determinado. Portanto, a socialização escolar tem duas dimensões fundamentais: instrumental e pré-profissional. A primeira de matriz moral, e a segunda de fundo ideológico.

69A dimensão moral e ideológica está relacionada com a função homogeneizadora do sistema de ensino. A escola distribui diferenciadamente as recompensas em função do rendimento académico individual. Neste sentido, o sistema de ensino hierarquiza o «nível das aspirações», que constitui uma espécie de ponte institucional que tem uma linha de bifurcação fundamental no final da escola superior: o ingresso ou a exclusão do ensino superior. Existe, ainda, «outra linha de demarcação entre os que chegam a um nível educacionalfora do ensino superior, e aqueles para quem a adaptação às expectativas educacionais é difícil em qualquer nível» (PARSONS 1985: 60).

70O funcionamento da escola como mecanismo diferenciador começa com a igualdade formal de todas as crianças antes da competição no desempenho das tarefas escolares, a avaliação periódica do cumprimento de cada aluno, que não é puramente neutra, apoiada em critérios intelectuais e morais, às vezes, mais importantes que os propriamente académicos. A identificação emocional (ou não) e mental com o professor e com a visão da cultura e da moral que ele representa é mais decisiva para o êxito escolar do que atingir ou não um nível de instrução.

71Parsons, à semelhança de Mannheim, não ignora a existência de um curriculum oculto e suas implicações. É atento à problemática da inconsistência de status das crianças procedentes de estratos sociais baixos e com alto rendimento escolar, ou à relação existente entre o tipo de pedagogia e de organização escolar formal dos diversos centros, por um lado, e a forma de socialização familiar e o status socioeconómico dos alunos, por outro. Refere, por exemplo, que os alunos dos centros mais «democráticos» e pedagogicamente mais inovadores normalmente provêm de camadas sociais relativamente acomodadas e com uma cultura académica acima da média.

72Do ponto de vista formal, o núcleo da sociologia da educação parsoniana circunscreve-se na visão da escola como canal institucional para a igualdade de oportunidades e o sucesso social dos mais aptos, na medida em que a instituição escolar — com o apoio da família — inculca a todos os cidadãos a concepção da cultura e a moral universalizadoras imprescindíveis para o funcionamento da sociedade, legitimando, concomitantemente, a divisão social do trabalho e as desigualdades sociais em geral, a ponto de conseguir, muitas vezes, o consentimento íntimo dos fracassados escolares. Assim,

73«A avaliação da consecução e o facto de que esta é dividida entre a família e a escola não apenas fornecem os valores necessários para a internalização pelo indivíduo, mas também desempenham um papel essencial de integração para o sistema. É necessário que as oportunidades sejam reais e que se possa contar com o professor para respeitá-las, sendo este "justo" para premiar alguém que se possa mostrar capaz. É essencial observar que a distribuição das faculdades, embora estejam ligadas ao status familiar, não corresponde claramente com esta condição» (PARSONS 1985: 58-59).

74Algumas críticas dirigidas a Parsons têm a ver com o facto de ter negligenciado o subjectivismo sociológico de Durkheim e empobrecido significativamente a orientação psicossociológica weberiana da lógica objectiva da dominação social. Como consequência lógica, Parsons prescinde da estruturação dual da cultura, da educação, da moral e da psicologia humana, e, com sua interpretação normativista idealista, esquece a análise rigorosa da base material da cultura e da educação. Parte de pressupostos muito discutíveis: a neutralidade moral do sistema escolar e seu lugar central como mecanismo de reprodução da cultura e da desigualdade social em conformidade com uma lógica estritamente meritocrática. O primeiro foi amplamente questionado por todos os clássicos e os principais neoclássicos da sociologia da educação. E, quanto ao segundo, é certo que Durkheim ou Mannheim o admitem, mas como projecto político e ideológico a promover de forma eficiente, e nunca como realidade histórica.

Conclusão

75Desde a perspectiva clássica e neoclássica da sociologia da educação, considera-se a educação como um processo de transmissão formal da cultura e, como tal, só é possível dentro de um horizonte e ambiente cultural apropriados com os seus elementos de preservação, disseminação e inovação. Nas sociedades mais desenvolvidas, este processo está estruturado de modo a satisfazer as necessidades sociais de educação moral, cultura, de ensino especializado ligado a exigências de economia, de trabalhadores habilitados, cientistas e pessoal profissionalizado, e de alargamento do conhecimento por investigação, e outras.

76Em termos muito latos e com muitas variações entre países e regiões, a classe social e os seus correlativos ainda têm um efeito sistemático na educabilidade e na selecção educacional; por exemplo, ainda hoje, as oportunidades de obter educação superior são maiores e melhores para uma criança da classe média do que para uma criança da classe trabalhadora. Ainda hoje, na segunda década do século XXI, os determinantes sociais do sucesso escolar são imensos, não obstante a tendência crescente para uma igualdade formal de oportunidades nos modernos sistemas educacionais.

77Por isso, perceber o fenómeno educativo através da visão clássica e neoclássica permite-nos não apenas escrutinar a realidade educacional, mas também compreender melhor as interfaces do sistema e do processo de ensino. Com efeito, entre eles — clássicos e neoclássicos da sociologia da educação —, assiste-se a uma grande convergência de ideias, que podem se considerar complementares na prática educativa, na medida em que expressam de maneira geral a análise das instituições e organizações da educação. Porém, essa análise só cobra sentido quando conectada às relações funcionais entre a educação e outras grandes ordens institucionais da sociedade, tais como a economia, a religião, a política e a família.

78Por isso, em plena sociedade da informação e comunicação, à escola desta sociedade não apenas cabe a função de definir objectivos, a distribuição de papéis, as disciplinas, o conteúdo e o método de aprendizagem, mas também lhe é exigido rever suas relações com as outras modalidades de educação não formal (informal e profissional), para articular-se e integrar-se a elas e liderar o processo de socialização do conhecimento, com o propósito de formar cidadãos mais preparados e qualificados para corresponder às novas demandas sociais.

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Bibliografia

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Para citar este artigo

Referência do documento impresso

António Inácio Rocha Santana« A percepção da educação desde a perspectiva sociológica »Mulemba, 6 (12) | 2016, 91-120.

Referência eletrónica

António Inácio Rocha Santana« A percepção da educação desde a perspectiva sociológica »Mulemba [Online], 6 (12) | 2016, posto online no dia 30 setembro 2018, consultado o 18 agosto 2020URL: http://journals.openedition.org/mulemba/853; DOI: https://doi.org/10.4000/mulemba.853

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Autor

António Inácio Rocha Santana

Sociólogo. Director-Geral da Escola Superior Pedagógica do Kwanza Norte e docente do Departamento de Sociologia da Faculdade de Ciências Sociais (FCS) da Universidade Agostinho Neto (UAN).

Sociólogo, exerce desde 2010, em comissão de serviço, a função de Director-Geral da Escola Superior Pedagógica do Cuanza Norte. É docente do Departamento de Sociologia (DS) da Faculdade de Ciências Sociais (FCS) da Universidade Agostinho Neto (UAN). Doutorado em Sociologia (2005) pelo Instituto de Sociología y Estudios Campesinos de la Universidad de Córdoba, Reino da Espanha e Doutorado em Ciências da Educação (2015) pela School of Social and Human Studies of the Atlantic International University, Estados Unidos da América (EUA). Tem participado com comunicação em alguns eventos nacionais e estrangeiros e dentre os quais se regista: «La comunicación docente: los comentarios de los estudiantes acerca de la actitud de los docentes en el aula», comunicação apresentada ao Congresso Pedagogía 2015, Palácio de Convenciones de La Habana, de 26 a 30 de Janeiro de 2015; «As manifestações do preconceito de cor em Angola», comunicação apresentada na 2.ª Conferência Internacional do CONCLADIN — Centro de Estudos das Culturas e Línguas Africanas e da Diáspora Negra, São Paulo, Universidade Estadual de São Paulo, Araraquara, Brasil, 18 a 21 de Maio de 2009; «África: imaginário, independência e desenvolvimento» Conversa temática apresentada aos estudantes de pós-graduação na 2.ª Conferência Internacional do Centro de estudos das Culturas e Línguas Africanas e da Diáspora Negra (CONCLADIN), São Paulo, Universidade Estadual de São Paulo, Araraquara – Brasil, 18 a 21 de Maio de 2009; «A imigração colonial portuguesa a Angola: um processo de construção de um projecto nacional para o porvir», comunicação apresentada no X Congresso Luso-Afro-Brasileiro de Ciências Sociais, Braga, Universidade do Minho, de 4 - 7 de Fevereiro de 2009. Publicou, «As três formas históricas de desenvolvimento rural: uma breve incursão no contexto teórico do seu surgimento», Revista Letras e Ciências Sociais, n.º 1, Janeiro-Junho de 2010, pp. 55-71.

antoniosantana2000@yahoo.es

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