Translate

sábado, fevereiro 07, 2015

O idioma como instrumento de dominação

Quando um dos inúmeros tentáculos da discriminação assume aforma de preconceito lingüístico contra a língua portuguesa no Brasil

Por: Wagner Williams

Muito se debate sobre assuntos ambientais, genéticos e econômicos ultimamente. Temas sociológicos reincidentes como o homossexualismo, o racismo, a discriminação física, o tráfico, etc., tornaram-se uma espécie de clichê político para candidatos, lugar-comum para cidadãos, porém com espaço garantido para novas (e velhas) discussões. Entretanto, exclusive o cientista da área, quase nunca se reserva espaço para refletir sobre a língua, examiná-la, discuti-la, expor os problemas que a envolve e que atingem seus falantes, pois que ela ainda é considerada por muita gente uma entidade dogmática não merecedora de investigações científicas, de atenção política e de debate por parte da população.

Uma das capacidades sem a qual o homem seria mais animal é a linguagem, uma vez que ela funciona como elemento de interação entre o indivíduo e a sociedade em que ele atua. A língua é o produto social dessa capacidade, sendo portanto, pela língua, que indivíduo e sociedade se determinam mutuamente.
Ao contrário do que muitos acham, uma língua não seencerra nas regras gramaticais, bem como não é questão de "certo e errado", nem objeto para juízos de "melhor e pior, bela e feia, fácil e difícil". Uma língua é uma questão de organização da realidade, envolve conhecimento próprio de vida imposto pela nossa mente aos elementos que compõem o mundo, ou seja, entender uma língua é, em certo grau, entender o pensamento de seus falantes.
A ciência que estuda os fenômenos da linguagem é a Lingüística, nascida na Europa do século XIX, desenvolvida na América do Norte no século XX e muito produtiva no Brasil hoje. Do ponto de vista dela, um dialeto (variante regional do mesmo idioma) é melhor tanto quanto o outro. Do ponto de vista social, um dialeto é melhor do que o outro. Essa idéia de superioridade dialetal impregnou-se na língua portuguesa usada no Brasil, dispersou-se através da tradição escolar, dos meios de comunicação, e atingiu os falantes do idioma que popularizaram essa idéia. Conseguintemente a escolha de uma variação como superior criou todo um aparato de dominação ideológica, preconceitos e mitos acerca do português e de seus usuários, sobretudo acerca dos nordestinos. Com respaldo científico da Lingüística, discorrer e esclarecer algumas dessas distorções constitui a matéria deste ensaio.
VARIAÇÕES PRIVILEGIADAS
"Todas as línguas variam, isto é, não existe sociedade ou comunidade na qual todos falem da mesma forma. A variedade lingüística é o reflexo da variedade social, e como em todas as sociedades existe alguma diferença de status ou papel, essas diferenças se refletem na linguagem" (Geraldi & Possenti 2006:35). Estreitamente ligada ao corpo social, a língua expressa as diferenciações da sociedade - momento histórico, sua abertura econômica, seus acessos cultural e científico, contato estrangeiro; e de seus habitantes - posição geográfica, etnia, faixa-etária, grau de instrução, classe econômica, papel social, religiosidade. A influência dessas diferenciações numa língua resulta na variedade lingüística.
A linguagem técnica do trabalho, o linguajar regional, o dialeto das elites, a fala popular, as gírias são exemplos de variedade lingüística. Para tentar uniformizar as variações, a fim de que todos os falantes da língua nativa leiam, escrevam, pronunciem e ouçam em comum entendimento as mesmas informações, a comunidade escolhe como padrão uma dentre as variedades. Em seguida, inspirada por noções estéticas e morais, prestigia a variação padrão como modelo ideal a imitar, atribuindo-lhe juízos de valor como "exemplar", "correta" e "bela".
No Brasil recém-colonizado se adotou a variedade prestigiada da língua portuguesa corrente na corte de Lisboa. A produção do Renascimento era a grande novidade daquele século, e Portugal a conheceu quando Sá de Miranda retornou da Itália em 1527, trazendo as inovações classicistas. O formalismo da prosa e da poesia, o silogismo, o mote glosado como idéia principal do texto, o uso do verso decassílabo, a poesia palaciana, o teatro popular, a escrita das investigações científicas influenciaram o vernáculo lusitano, ascendendo-o ao clássico. Logo, no Brasil colônia, eventualmente, a variedade usada por ícones portugueses como Fernão Lopes (1378-1459), Garcia Resende (1470-1536), Gil Vicente (1465-1536) e Luís Vaz de Camões (1524-1580) passou a ser ensinada e oficializada. Legitimada como "norma padrão", a variedade das elites foi sistematizada, convertendo-se no que conhecemos como manual de gramática.
Mais tarde, do século XVIII ao XIX, a cidade do Rio de Janeiro - então capital do Brasil - era o centro da plêiade literária, sendo ainda contemplada com a fundação da Academia Brasileira de Letras (1897). Com o advento do Modernismo (1922), a cidade de São Paulo ganha cenário, tornando-se a segunda capital cultural brasileira, além de ser o maior pólo do comércio do café. Não é à toa, portanto, que ainda hoje os dialetos carioca e paulista são os prestigiados dentre os das cinco regiões do País.

O MANUAL DE GRAMÁTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA NÃO É A LÍNGUA PORTUGUESA
Como visto, o que chamamos de "gramática da língua portuguesa" é, na verdade, apenas uma variedade das muitas que circundam o nosso idioma. Uma fração específica da língua não é toda a língua.
Não obstante, uma gama de autores gramáticos mais algumas personalidades ignoram tal fato. Uma cultura pregada por eles - a de que só a gramática é a única e verdadeira Língua Portuguesa a ser falada - tem marginalizado, taxado e repreendido toda a sorte de falares, conforme aponta Geraldi: "Fatos históricos (econômicos e políticos) determinam a 'eleição' de uma forma como a língua portuguesa. As demais formas de falar, que não correspondem à forma eleita, são todas qualificadas como 'errôneas', 'deselegantes', 'inadequadas para a ocasião." Vejam-se exemplos dessa discriminação: (a) "É português estropiado que no Brasil se fala, língua de gíria, língua sem peias sintáticas, língua sem flexão arbitrária, língua do 'deixo vê', do 'mande ele', do 'já te disse que você', do 'não lhe conheço', do 'fiz ele estudar', do 'vi os meninos saírem'" (Napoleão Mendes de Almeida). (b) "Os jornalistas usam: o aumento do funcionalismo público, o aumento da gasolina, o aumento da carne. "É o mais puro aumento da incompetência" (Luiz Antonio Saconni). (c) "O sujeito que usa um termo em inglês no lugar do equivalente em português é, na minha opinião, um idiota" (Pasquale Cipro Neto).
É nessa concepção que Língua Portuguesa não é toda manifestação oral e escrita de um povo que a usa; que cantigas-de-roda, o folclore, as danças típicas, o cordel não consitem de uma variação do português legítimo, mas de um português "exótico", "cheios de erros", porque a variação válida é somente a falada/escrita pelas camadas dominantes da sociedade, a suposta norma culta ou padrão. É pois, no centro de tal entendimento que se gera a exclusão pela e na linguagem, uma vez que "essa variação não é privilégio de tal concepção, mas o é de forma especial: a variação é vista como desvio, deturpação (...). Quem fala diferente fala errado" (Geraldi & Possenti 2006:49).
Conivente com essa postura discriminante, o ensino escolar brasileiro reproduziu a cultura do preconceito lingüístico até fins da década passada , fato que contribuiu com a propagação desse preconceito pregado até pelos não falantes da variedade das elites. Britto e D'Angelis, citado por Bagno (2006:30), aponta para a desmistificação dos argumentos de ensino da norma culta: "A insistência no ensino da gramática articula-se com três noções que não se confirmam na análise das práticas sociais: a de que a ação normativa tem por finalidade evitar a corrupção e a degradação da língua nacional; a de que a chamada norma culta é própria das relações formais, de modo que seu não domínio implica na exclusão do sujeito dessas situações; e de que seu conhecimento garante o acesso a determinadas expressões superiores de cultura e informação".
Como efeito disso tudo, o fracasso do ensino gramatical, a rejeição pelas aulas de português, a insegurança das pessoas para discursar, redigir e interpretar, jargões do tipo "brasileiro não sabe português", "português é chato", "os pobres e iletrados falam errado"..., porque a variedade falada predominantemente no Brasil, que é a popular (coloquial), colide com a ensinada e minoritária, a culta. Os 180 milhões de brasileiros quase não falam a mesma variedade que lêem e escrevem. A fala popular é, de fato, a língua materna do brasileiro, a que espontaneamente se fala, como explica Perini: "(...) o português (que aparece nos textos escritos) não é a nossa língua materna. A língua que aprendemos com os nossos pais, irmãos e avós é a mesma que falamos, mas não é a que escrevemos".
Portanto, o manual de gramática não é a Língua Portuguesa e sim um substrato dela. O que se considera "erro de português", é, factivelmente, uma não correspondência à variedade das elites; nunca um erro do idioma. O que o ensino gramatical deve esclarecer é: "(...) que essa variedade, a mais prestigiada de todas, possui força em razão de dois fatores: pelo fato de ser utilizada pelas pessoas mais influentes, donde se deduz que seu valor advém não de si mesma, mas de seus falantes; e por ter merecido, ao longo dos tempos, a atenção dos gramáticos, dos dicionaristas e dos escribas em geral" (Geraldi & Possenti 2006:51).
GRAMÁTICA INTERNA DO PORTUGUÊS
Qualquer nativo falante do idioma possui um conhecimento implícito-intuitivo desse idioma. O saber implícito é a gramática interna da língua, que consiste em reconhecer uma lógica que conduz a ordem do enunciado, em elaborar sentenças compreensíveis ao ouvinte, em alternar seqüências de ordem fonológica, morfológica, sintática e semântica sem auxílio de um saber técnico.
Mário Perini (1997:14 e 15) mostrou que, na fala, podemos intercalar a um substantivo ou a um pronome uma oração adjetiva como "procurei Marília, que não me recebeu" (subst.: Marília; or.adj.: que não me recebeu). O falante pode atribuir valor substantivo a palavras como os pronomes (ex: ele, nós, você) e intercalá-las com a oração adjetiva que. Mas se o falante perceber uma mudança naqueles pronomes (como a contração da preposição de+ele=dele ou as formas oblíquas lo, a, lhe), "o acréscimo de uma oração adjetiva dá resultados bem menos aceitáveis": Fui procurá-la, que não me recebeu; *fui à sua casa, que não me recebeu. Exemplificou a lógica do objeto direto no enunciado: "Mas há uma restrição (...): nunca se pode usar uma frase na qual o objeto direto exprima um subconjunto do sujeito": *Nós me vimos na TV (nós: sujeito; me: objeto direto). Um ouvinte analfabeto ou uma criança entre 3 e 4 anos ao ouvir "a casa de Ana é alta" consegue, intuitivamente, distinguir o sujeito (casa), do adjetivo (alta) e do predicado (Ana), ligando o sujeito (a casa) ao seu predicativo (de Ana é alta), razão pela qual não confunde os termos, se entendesse Ana é que é alta. Marcos Bagno (1999:125) igualmente expôs "erros que nenhum falante nativo da língua comete": * "Aquela garoto me xingou", * "eu nos vimos ontem na escola", * "Júlia chegou semana que vem", * "não duvido que ele não queira não vir aqui", * "que o livro que a moça que Luís que trabalha comigo me apresentou escreveu é bom não nego". Por isso, Bagno (1999:124) atesta que todo falante é: "(...) capaz de discernir intuitivamente a gramaticalidade ou a agramaticalidade de um enunciado, isto é, se um enunciado obedece ou não às regras de funcionamento da língua".
No entanto, aqueles pregadores da norma padrão não mencionam nem investigam tais fenômenos. Como dependem da noção de erro (como instrumento de distinção social), recriminam todo enunciado que não se submeta às normas da gramática normativa, reforçando assim a crença da dificuldade de "aprender português" para que, no fundo, garantam-se as lucrativas saídas comerciais, as grandes tiragens de manuais, o status de "intelectual" e a distância entre "eruditos" e "leigos" em favor da "dominação por parte dos letrados sobre os iletrados" (Bagno 1999:133). É o que demonstra esse autor ao dizer que "a idéia de que 'português é muito difícil', serve como mais um dos instrumentos de manutenção do status quo das classes sociais privilegiadas".
Eles confundem, propositadamente, não-correspondência à variedade elitista com "erro de português", variações lingüísticas com "infrações gramaticais", fala com ortografia oficial. Ignoram o que consideram "erro" ser indício de evoluções no interior dos mecanismos do idioma provocadas pela atividade da gramática interna dos falantes.
PRECONCEITO CONTRA O DIALETO NORDESTINO
Diz-se no Brasil, o nordestino figura entre as melhores piadas (digam-se os concursos de piadas na TV). A denominação "caipira" é a caricatura nacional de quem reside no Nordeste e sinônimo de humor. Veja-se o que escreveu Dad Squarisi em artigo no Diário de Pernambuco: "(...) Clareou este mundo cheinho de jecas-tatus. (...) Caipiras, caipiras e mais caipiras. Falamos o caipirês. Sem nenhum compromisso com a gramática portuguesa" . E Luiz Antonio Sacconi no livro Não Erre Mais!: "Na Bahia, porém, na sempre formidável Bahia, as pessoas se acordam. O mais interessante é que se acordam e vão direto à praia".
Nas telenovelas os personagens nordestinos são interpretados num trejeito estereotipado. Suas falas são "engraçadas" e "inferiores" às dos personagens não-nordestinos para divertirem a audiência. Tal retrato é reflexo do preconceito contra o dialeto nordestino, considerado por alguns um sotaque "gozado" de palavras esquisitas e feias.
Em contraposição a esse preconceito, já foi dito aqui: em termos científicos não há dialeto melhor ou pior, bonito e feio, mas diferente. Cada dialeto possui elementos peculiares à realidade regional, funcionando, no entanto, com os mesmos mecanismos idiomáticos presentes em todas as variações da língua materna. Para demonstrar essas evidências, vejamos primeiramente um caso muito conhecido do sotaque nordestino. Nesse dialeto, ao dizer eita, deitar, oito, oiteiro, oitenta, muito, noite, o falante pronuncia a consoante [t] como /ts/ (semelhante a tcheco) quando a palavra tem um [i] como encontro vocálico antes do [t]. Se escrevêssemos isso teríamos: "Me deixe enfeitchar isso". Esse caso chama-se palatalização, visto por alguns como algo "feio, ridículo". Porém ele está também presente no dialeto sudestino ao dizer tia, instinto, tinha, etc., só que com o [i] palatalizador depois do [t] com ou sem encontro vocálico. Se assim escrevêssemos teríamos: "Oi tchitchia (titia)!"; e no entanto se considera "bonito, normal" ao ouvir. Mas o fenômeno é o mesmo nos dois sotaques, invertendo apenas a posição do [i] da palatalização. Na verdade o que se foca nesse juízo depreciativo que se faz do dialeto do Nordeste é a pessoa que fala nessa região geográfica essa variação do português, já que se associa ao Nordeste uma área pobre e atrasada - então seus habitantes com sua linguagem serão vistos da mesma maneira.
A seguir, para reforçar o argumento de que os mesmos mecanismos lingüísticos atuam nas variações do português a fim de que não se veja preconceitos, analisaremos duas interjeições, uma conjunção e um substantivo típicos do Nordeste.
Interjeições
O vixe é tido como estranho pelos sulistas; mas não há nada de estranho e sim natural. Vixe é uma variante de virgem, no que se diz - "vige Maria!" (Virgem Maria) - que falantes com dificuldade de pronúncia do /r/ o suprimiram com a nasal /m/, passando a vige. Este [g] antes de vogais /e/ e /i/ em termos fonéticos obtém semelhante traço sonoro do [x] - chiado - (ex: gengibre) no qual se transformou, passando a vixe. Outro caso visto com estranheza pelas outras regiões é o uso do ôxi, como em "ôxi, não entendi!". Ora, o "ôxi" nordestino expressa a mesma coisa que o "ué", o "puxa" e o "putz" dessas outras regiões: dúvida, espanto, admiração. São, portanto, interjeições. Vocábulos como oxum (antigo rio africano), oxossi (entidade da umbanda), oxalá (tomara) têm o mesmo radical de oxente (OX) - todas muito usadas no antigo Nordeste brasileiro pelos escravos africanos. Logo, por influência do som do radical [OX] oxente se reduziu para ôxi.
Conjunção
Um outro caso tido como esquisito pelos dialetos de prestígio é o uso nordestino do "apois", como em: "Apois pronto! Vai ficar como está". Neste caso se vê dois aspectos - um semântico e outro morfológico. No semântico (que diz respeito ao sentido da palavra), o apois pode ser entendido como um efeito de conclusão ou uma conjunção coordenativa conclusiva feito o "então". Por exemplo: "Então pronto! Vai ficar como está"; "apois (então) faça isso...; apois (então) vá embora"; "apois aconteceu o que eu tinha dito". Isso porque "então" quando conjunção significa logo, portanto e pois (este embutido no apois). Quando "então" é advérbio de tempo, a gramática interna do falante não entende proposição ou inferência para concluir uma idéia, que é característica das conjunções. Por tal razão não se ouve: * "Até apois (então) chovia", * "desde apois (então) não fumo", * "não me doía, mas que apois (então) me dói". Enfim, a gramática do falante seleciona apois como se fosse "então", porque o entende como o "pois" das conjunções conclusivas. Já no aspecto morfológico (que diz respeito à estrutura da palavra) se verifica a junção da interjeição ah de admiração com a conjunção pois: ah+pois = apois (o h de ah é mera ortografia, suprimindo-se), servindo de prótese à pronúncia e suporte para o elemento pois da conclusão da idéia - o que equivaleria como: "ah, pois aquilo aconteceu anteontem sim!", "ah, pois duvido que você se atreva". É um fenômeno similar ao que ocorre na expressão idiomática de interrogação aé?, que equivale a ah, é mesmo? (pois o ah tem seu h suprimido, fundindo-se com o é: ah+é = aé). O a de apois parece estar funcionando também como o prefixo latino a (no sentido de "direção", "aproximação", como em afluir e abeirar, diferente do a grego de negação, como em atípico e amoral) com a conjunção pois: a+pois = apois. Nesse sentido, talvez, o uso de "adepois" (a+depois) se justifique pela semelhança de som entre pois e depois e por ambas serem conjunções.
Substantivos
As expressões mãinha e painho são consideradas engraçadas por muitos não-nordestinos. Acham "invenção da gíria matuta", já que o "certo" é mamãezinha e papaizinho. Não é bem isso. Esses diminutivos são resultados do processamento morfológico na gramática interna do português freqüentes em todas as regiões brasileiras. Trata-se de substantivos no diminutivo sintético (como em casinha) com efeito afetivo e não de medida ("mamãezinha" não é entendida como baixa, mas querida). Decompondo, ma é prefixo (morfema antes do radical); mãe é o radical (parte invariável com significado); [z] é consoante de ligação (elemento que liga morfemas para auxiliar a pronúncia, como em chá+eira = *chaeira+l = chaleira); inh é sufixo (morfema depois do radical) indicador de diminutivo; [a] é vogal temática (que acompanha um nome) e não desinência de gênero feminino, posto que o radical mãe já é o feminino heterônimo de pai. Têm-se então ma+mãe+z+inh+a. O prefixo ma é eliminado (mãezinha) juntamente com a consoante de ligação [z] - haja vista não comprometer a pronúncia (mãe inha). Adiante, há crase (fusão de vogais iguais ou com som semelhante) entre o som de /e/ em mãe e o /i/ de inha (mãe inha=mãinha). O mesmo ocorre com papaizinho: pa+pai+z+inh+o=#paizinho=pai inho=pai inho=painho. Tal processo se sucede em função da economia da fala (papaizinho - mais longo/ painho - mais breve) usado por todos os brasileiros em diversas palavras: cartinha (cartazinha), amiguinho (amigozinho), namoradinha (namoradazinha), etc. Como se vê, nada disso é "invenção da gíria matuta", segundo o preconceito lingüístico.
CONCLUSÃO
É fato a existência do preconceito contra a linguagem, até porque num país permeado por injustiças, desigualdades, discriminações e fundamentalismos, o idioma é só mais uma das vítimas dessas mazelas: "Numa sociedade como a brasileira - que, por sua dinâmica econômica e política, divide e individualiza as pessoas, isola-as em grupo, distribui a miséria entre a maioria e concentra os privilégios nas mãos de poucos -, a língua não poderia deixar de ser, entre outras coisas, também a expressão dessa mesma situação" (Geraldi & Almeida 2006:14). Nosso País é munido de legislação contra o preconceito - em suas diversas formas: religiosa, racial, ideológica; entretanto, não há nada escrito que combata quem discrimina alguém por seu sotaque ou particularidade de língua. Desfazer esse tipo de preconceito "só será possível quando houver uma transformação radical do tipo de sociedade em que estamos inseridos, que para existir, precisa da discriminação de tudo o que é diferente, da exclusão da maioria em benefício de uma pequena minoria, da existência de mecanismos de controle, dominação e marginalização" (Bagno 1999:140). É, pois, com todos esses conceitos, que o Brasil mostra estar muito longe de ser um país livre de preconceitos.
É poeta, articulista e acadêmico do curso de licenciatura em Letras da Universidade Federal de Alagoas.

Nenhum comentário:

CONVITE AO DEBATE