Universidade Estadual de Londrina
Soraia Kfouri Salerno
Universidade Estadual de Londrina
Eixo 1: Formação e Ação Docente
Resumo
Este trabalho propõe o estudo sobre as políticas educacionais chilenas regidas sob a lógica de mercado sustentada pela ideologia (neo) liberalismo. As raízes teóricas desta lógica político-econômica se difundiram nas políticas governamentais com reflexos para a política educacional a partir das últimas décadas do século XX. As políticas educacionais de cunho neoliberal são difundidas no Chile, antes de serem legitimadas pelo Consenso de Washington, promovido pelos organismos internacionais. Através de um golpe de Estado que ocorreu em 1973, culminando com a morte do presidente Salvador Allende de base marxista eleito por via democrática, o general August Pinochet com o apoio dos Estados Unidos efetiva a ditadura militar no Chile e realiza mudanças na educação de descentralização e privatização. As mudanças realizadas no Chile foram embasadas em Milton Friedman, um dos precursores da corrente neoliberal, a partir de então o Chile começou a ser considerado modelo de sucesso para os países latino-americanos.
Palavras-chave: Neoliberalismo, Educação, Chile.
Introdução
Muito se discute sobre as injustiças sociais que são vivenciadas predominantemente em decorrência de um modo de organização sócio-econômica que favorece a classe detentora do processo produtivo em detrimento da classe trabalhadora, através da exploração, dominação e produção de necessidades por meio da educação para a manutenção desse sistema.
O sistema capitalista perpassa por crises cíclicas, o qual necessita de uma ideologia de sustentação. Assim como o Keynesianismo foi utilizado após a crise de 1929 cuja intencionalidade foi à contenção dos traços mais autodestrutivos do capitalismo para sustentar esse sistema mediante a intervenção do Estado na economia, o neoliberalismo ganha adeptos após a crise de 1973 também com a intencionalidade de manutenção do sistema capitalista, só que mediante a expansão do mercado e limitação do Estado.
Sabe-se que o Estado brasileiro vem sendo influenciado por correntes teóricas político-econômicas disseminadas a partir das últimas décadas do século XX denominado como neoliberalismo, o qual alude a diminuição da maquina estatal e soberania do mercado.
Sendo a educação influenciada pela concepção de Estado subjacente, a proposta e a defesa neoliberal do Estado Mínimo para as políticas educacionais foram difundidas na América Latina na década de 80, através de reformas promovidas pelos organismos internacionais que hegemonizados pelos ideais neoliberais enfatizaram o Chile como um modelo a ser copiado pelos demais países latino-americanos.
A notoriedade chilena na educação deu-se pela adoção de políticas educacionais de quase mercado, em um contexto de ditadura, uma possível contradição considerando que August Pinochet introduziu políticas inspiradas pelos ideais liberais num contexto ditatorial.
Diante deste contexto propõe-se o estudo da experiência chilena e seus impactos para o sistema educacional e a difusão deste modelo como política homogeneizadora para os países latino-americanos e caribenhos.
Metodologia
Como procedimento metodológico utilizou-se a pesquisa bibliográfica de cunho qualitativo, numa análise histórico-crítica de fontes como Ludwig von Mises (1881-1973), Friedrich August von Hayek (1899-1992) e Milton Friedman (1912-2006), com vistas ao reconhecimento da estrutura do pensamento econômico para a política educacional chilena.
Discussão Teórica
Após a crise econômica de 1973 tem-se a disseminação do sistema capitalista neoliberal, cujos preceitos caracterizavam-se pela completa abertura dos mercados mundiais, a retomada dos discursos de meritocracia, bem como a interferência mínima do Estado nas decisões mercadológicas.
Segundo Moraes (2001) o que se denomina neoliberalismo é uma corrente de pensamento que surgiu após a segunda guerra mundial. Harvey identifica o neoliberalismo como teoria das práticas político-econômicas:
o neoliberalismo é em primeiro lugar uma teoria das práticas político-econômicas que propõe que o bem-estar humano pode ser melhor promovido liberando-se as liberdades e capacidades empreendedoras individuais no âmbito de uma estrutura institucional caracterizada por sólidos direitos a propriedade privada, livres mercados e livre comércio. O papel do Estado é criar e preservar uma estrutura institucional apropriada a essas práticas; o Estado tem de garantir, por exemplo, a qualidade e integridade do dinheiro. Deve também estabelecer as estruturas e funções militares, de defesa, da polícia e legais requeridas para garantir direitos de propriedade individuais e para assegurar, se necessário pela força, o funcionamento apropriado dos mercados (HARVEY, 2005, p.12).
Para sustentar esta corrente de pensamento ou a teoria das práticas político-econômicas, tem-se um grupo de pensadores que se organizam numa sociedade. Friedrich von Hayek(1899-1992),se destacou pelo seu texto “ O Caminho da Servidão”, escrito em 1944. Tal livro foi uma crítica aos socialistas e ao Estado intervencionista. Em 1947, Hayek organizou uma reunião em Mont Pèlerin, na Suíça convocando aqueles que partilhavam de suas ideias. Entre eles destacavam Milton Friedman, Karl Popper, Lioner Robbins, Ludwig von Mises entre outros, surgindo então à sociedade de Mont Pèlerin.
A exposição dos princípios do grupo, sociedade de Mont Pelèrin, por Harvey expressa a preocupação em não se perder os valores morais, bem como a liberdade, bem mais precioso do homem, sendo assim, o grupo se encontrava ameaçado pelo desenvolvimento da história, o que acarretou na formação do grupo para unir forças contra o socialismo e a intervenção do Estado.
A colocação do prefixo “neo” à palavra liberalismo, não é usual entre os precursores, pois se identificam como liberais em sentido originário. O prefixo denota fatores importantes, em especial a influência que o liberalismo clássico expressa num novo contexto histórico.
Sob nova roupagem o liberalismo clássico se expande a partir das últimas décadas do século XX, sendo adotado pelos Estados que pretendem ter uma política de intervenção mínima e ações voltadas para o regime de mercado, no qual tudo que é consumido se denomina como mercadoria, logo “mercadoria é tudo aquilo que é desejável para alguém em algum momento” (MISES, 2015, p.18-19).
Na década de 1990, assiste-se a proeminência do ideário neoliberal, o qual torna-se a base teórica para a definição de políticas na maioria dos países, que passam a seguir as orientações do que se denominou Consenso de Washington. Os Estados Unidos se instalam como a maior potência mundial, declarando sua hegemonia no mundo, pela influência expressa na condução da definição do papel dos Estados Nações.
A difusão desses preceitos na América Latina ocorreu na década de 80, através de reformas promovidas pelos organismos internacionais que hegemonizados pelos ideais neoliberais enfatizaram o Chile como um modelo a ser copiado pelos demais países latino-americanos.
Antes mesmo da legitimação do ideário neoliberal pelo consenso, o Chile já havia adotado tais preceitos, através do governo ditatorial de Pinochet, precedendo até mesmo os Estados Unidos e a Inglaterra e tornando-se vitrine para os países da América Latina.
A influência da Escola de Chicago nas reformas do Chile, inicialmente, ocorreu através de um convênio entre a Universidade de Chicago e a Católica do Chile que implicava em oportunidades para os estudantes chilenos de realizar seus estudos em Chicago “aproximadamente cem alunos fizeram seus estudos de pós-graduação na Universidade de Chicago no início dos anos 1970” (VALDÉS, 1995apud SIQUEIRA, 2009, p.43).
Muitos chilenos que retornaram da Universidade de Chicago, tornaram-se professores da Universidade Católica de Santiago “transformando-a rapidamente em uma filial da Escola de Chicago no território chileno, a partir daí, ganharam o apelido de Chicago Boys, ou Garotos de Chicago, ficando conhecidos como os grandes entusiastas da implementação das políticas neoliberais na América Latina” (PEREIRA, 2014, p.76).
Apesar do entusiasmo dos neoliberais de colocar em prática os seus programas no Chile, não conseguiram fácil adesão, pois, em 1970 o candidato de uma coligação de esquerda, a Unidade Popular vence as eleições. Assim a Unidade Popular teria sua chance de concretizar políticas de transformação, cujo objetivo era romper com atual sistema chileno, libertando a classe trabalhadora de um sistema que as explora e domina:
apoiar o candidato da Unidade Popular não significa, portanto, votar apenas em um homem, mas também pronunciar-se a favor da substituição urgente da atual sociedade, que se baseia no domínio dos grandes capitalistas nacionais e estrangeiros (CARLOS; FREITAS; VETTORI, 1970, p.95)
O candidato da Unidade Popular, Salvador Allende, propôs reformas para a efetivação do sistema socialista no Chile, num contexto de polarização mundial produzido através da guerra fria, nesse cenário a opção chilena despertou a atenção de muitos governantes e da grande burguesia envolvendo sentimentos que iam desde admiração até temores, como é o caso das forças conservadoras do Chile e do governo norte-americano o que culminou para que o presidente Richard Nixon contribuísse para a desestabilização da economia chilena, “Nixon proclamou sua famosa ordem a Central Intelligence Agency(CIA) para que, no Chile, ela ‘fizesse a economia gritar’ (CIA, 1970, apud KLEIN, 2008, p. 80), ameaçando assim o governo democraticamente eleito de Allende (PEREIRA, 2014, p.77).
As tentativas de evitar que Allende tomasse posse foram além da pressão econômica, à central de inteligência estadunidense fez uso da propaganda como meio de desmoralizar a imagem do mesmo, tanto em nível nacional quanto internacional para justificar um possível golpe de Estado para depô-lo
Apesar de todo aparato investido para inviabilizar que o presidente marxista chegasse ao poder, Salvador Allende é eleito presidente com 1.070.334 votos, e entra para a história da política mundial como o primeiro marxista a chegar ao poder através das urnas, com uma plataforma que prometia:
[...] o reajuste de salários, congelamento dos preços de artigos de primeira necessidade, construção de casas populares, controle da inflação, estímulo à produção, melhoria do serviço de saúde, distribuição de leite, criação do sistema único de previdência, aprofundamento da reforma agrária, nacionalização do cobre, salitre e carvão, estatização das indústrias de aço, cimento, telefonia e dos bancos. Conforme Arturo Jirón, “el programa de laUnidad Popular lovesenlas 40 medidas, eso era lo que pretendía Allende”(NEGRI, 2012, p.58).
Percebe-se que o presidente chileno comprometeu-se com mudanças revolucionárias com a intenção de libertar o Chile da miséria e da exploração e proporcionar a participação da maioria em seu governo, conforme Allende apud Carlos; Freitas; Vettori (1970, p.156):
os assalariados constituem a imensa maioria dos chilenos. Nós vamos fazer um govêrno para a maioria. Quando dissemos, que somos os maiores e os melhores, não era uma jactância. É uma realidade, que vai significar um exemplo maior para todos. Vamos demonstrar no governo quais serão as virtudes do programa popular: austeridade, honradez, definição, clareza. Nunca vamos enganar o povo. Primeiro lhes diremos o que vamos fazer, como e quando. E se algo fracassar, devemos com decisão explicar os motivos desse fracasso. Vamos manter um diálogo permanente com o povo.
O sistema político-econômico proposto por Allende era a implantação pacífica do socialismo através da via democrática dentro dos moldes constitucionais já existentes. Conforme Klein:
Allende era uma nova vertente do espírito revolucionário latino-americano: era médico como Che Guevara, mas ao contrário de Che, fazia parte dos veteranos compenetrados, e não de guerrilha romântica. Podia pronunciar um discurso tão ardente quanto o de Fidel Castro, mas era um democrata veemente, que acreditava na possibilidade de uma mudança para o socialismo no Chile por meio de uma urna eleitoral, não de um cano de revólver (2008, p.80).
Apesar da originalidade dessa nova maneira de implantação do socialismo que só poderia ser efetivada em um país cuja estabilidade política se demonstrara através de um tempo longínquo em que esteve sob governo democrático, em 11 de setembro de 1973 a mando do general Augusto Pinochet efetuou-se o golpe militar, o cenário parecia de uma guerra, todavia uma guerra injusta, “Pinochet tinha total controle do Exército, da Marinha, do Corpo de Fuzileiros Navais e da polícia. Enquanto isso, o presidente Salvador Allende se recusava a organizar seus partidários em ligas de defesa armada”.Ao contrário, desde seu discurso quando eleito, Allende reafirmou “que seu governo significará paz, ordem, tranquilidade e bem-estar para a imensa maioria dos chilenos, cuja liberdade individual será preservada e ampliada”(KLEIN, 2008, p.95).
O presidente Allende, além de tudo respeitava as forças armadas e confiava nas mesmas para o cumprimento da lei e para o efetivo progresso da nação:
[...] conheço as Fôrças Armadas, e por isso mesmo conheço sua lealdade e integridade. Sei que elas constituem o povo com uniforme e que elas conhecem também minha fé inquebrantável nos destinos do Chile. Por isso tenho a plena certeza de que sempre responderão com sua tradicional disciplina e respeito ao imperativo da história, expressado nas urnas (CARLOS; FREITAS; VETTORI, 1970, p.162).
Contudo a reciprocidade desse respeito não foi evidenciada, no dia do golpe, Allende foi morto no palácio presidencial, La moneda “ele resistiu como uma figura lendária e morreu com capacete na cabeça e um fuzil que ganhou do presidente comunista Fidel Castro. O Palácio foi bombardeado, o presidente deposto, morto, e o golpe, consolidado” (BORGES, 2004, p.286).
Concomitantemente ao golpe ocorreu a implantação do neoliberalismo, porém para que fosse efetivado foi preciso destruir a democracia chilena que segundo Hayek não é um valor central do neoliberalismo:
[...] a liberdade e a democracia, podiam facilmente tornar-se incompatíveis, se a maioria democrática decidisse interferir com os direitos incondicionais de cada agente econômico de dispor de sua renda e de sua propriedade como quisesse (HAYEK apud ANDERSON, 1995, p.5).
Antes mesmo de culminar a ditadura militar os chamados “Chicago boys”, já preparavam um anteprojeto econômico para o Chile: O El Ladrillo. O programa econômico El ladrilho, conhecido como “O Tijolo” possui notáveis semelhanças com aquelas encontradas no livro de Milton Friedman denominado como Capitalismo e Liberdade que conduziria as ações da junta militar Pinochet então efetivou as medidas propostas pelos garotos de Chicago “implantou programas de desregulação, desemprego massivo, repressão sindical, redistribuição de renda em favor dos ricos, privatização de bens públicos” (ANDERSON, 1995, p.18).
Apesar da fidelidade de Pinochet em realizar os procedimentos definidos pelos garotos de Chicago, o plano econômico se mostrou um fracasso, haja visto que em 1974:
[...] a inflação atingiu 375% - a taxa mais alta do mundo e quase duas vezes maior do que o nível mais elevado alcançado no governo de Allende. Os custos de produtos básicos, como o pão, subiram demais. Ao mesmo tempo, os chilenos estavam perdendo os empregos, porque os experimentos de Pinochet com o “livre mercado” inundaram o país de importados baratos. Os empreendimentos locais fecharam, incapazes de competir, o desemprego bateu recordes e a forme se tornou inquietante. O primeiro laboratório da Escola de Chicago era um fracasso (KLEIN, 2008, p.100).
A solução encontrada pelos chicago boys foi trazer Milton Friedman para o país, o mesmo além de confirmar as ações realizadas pelos liberais, afirmou ser necessário cortes maiores e privatizações em maiores escalas, além do mais “previu que a rapidez, a brusquidão e o objetivo de mudança econômica iriam provocar, no público, reações psicológicas que ‘facilitariam o ajuste.Ele cunhou uma frase para essa tática dolorosa “tratamento de choque’ econômico”(KLEIN, 2008, p.17).
Mais uma vez Pinochet concretizou as orientações neoliberais só que dessa vez vindas diretamente de Milton Friedman. O ditador concedeu importantes cargos para os chicago boys, como é o caso de Sergio de Castro que foi promovido a ministro das finanças cujo objetivo era consolidar a utopia de capitalismo puro através de cortes elevados nos gastos públicos, sendo que as áreas mais prejudicadas foram saúde e educação,além das grandes privatizações que somadas foram quase quinhentas companhias e bancos estatais(KLEIN, 2008).
A terapia de choque econômico proposta por Friedman no primeiro ano de implantação fez com que “a economia chilena se contraiu em 15% e o desemprego – que atingira apenas 3% com Allende – chegou a 20%, um nível até então desconhecido no Chile” (KLEIN, 2008, p.103).
Para Friedman a terapia do choque econômico poderia estimular a sociedade a aceitar uma forma mais pura do capitalismo, sendo assim a hegemonia neoliberal conforme apontado por Klein (2008) não só utilizou a terapia de choque econômico, mas também conseguiu efetivar muitos de seus planos econômicos através de mais dois tipos diferentes de choques consubstanciados no Chile, a saber: o choque do golpe e também o choque das câmaras de tortura. O departamento dos Estados Unidos em 11 de setembro de 1973 descreve a situação dos direitos humanos no Chile: total de pessoas presas: 13.500; execuções, de acordo com as forças de inteligência: 320; mortos em tentativa de fuga da custódia militar: 40; total de mortos segundo cabo [comunicação] da CIA de 21 de outubro: de 2 mil a 3 mil; evadidos do Chile: aproximadamente 2 mil; número de salvo-condutos expeditos: 4.891; salvo-condutos não atendidos: 408; registrados no [Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos] UNHRC para imigração definitiva: 2.019 (ESTADOS UNIDOS, 1973 apud SIQUEIRA, 2009, p.37).
O plano econômico imposto no Chile sob as orientações de Friedman concedeu benefícios aos mais ricos, em detrimento dos mais pobres, aumentando a desigualdade social. Cabe aqui apontar as considerações de Orlando Letelier, embaixador de Allende nos EUA, disse ele:
o plano econômico teve de ser imposto, e no contexto chileno, isto só poderia ser feito pelo assassinato de milhares de pessoas, a criação de campos de concentração em todo o país, a prisão de mais de 100 mil pessoas em três anos, o fechamento do comércio sindicatos e organizações de bairro, bem como a proibição de todas as atividades políticas e todas as formas de livre expressão (LATELIER, 1976 apud PEREIRA, 2014, p.90).
A abertura do mercado espraiou-se também na educação, pois como se sabe a educação é influenciada pela concepção de Estado subjacente, logo então, Pinochet inspirado pelas doutrinas de Milton Friedman, realizou reformas na educação de cunho neoliberal que passou a ser considerada como produto, prevalecendo o predomínio do mercado no campo educacional, se antes o Estado tinha a principal responsabilidade pela oferta da educação, o controle da mesma passa a ser gerida pela livre iniciativa, prevalecendo o princípio da liberdade de escolha que servirá de justificativa para o processo de descentralização e privatização introduzidos por Pinochet na reforma da educação no Chile:
a municipalização de todo o sistema fundamental e médio nos anos 80 – até então vinculado ao governo federal – representou, aos olhos do magistério e de grande parte da sociedade civil chilena, uma estratégia para eximir o governo central de sua responsabilidade com o financiamento educacional, gerando a degradação das condições de trabalho docente e, conseqüentemente, um retrocesso na qualidade da educação. A privatização instalou-se por meio da substancial transferência de fundos públicos para o sistema privado, de tal modo que, a partir de 1981, o antigo e limitado sistema de subsídios públicos a algumas escolas particulares generalizou-se a toda uma nova rede privada de ensino (ROJAS FIGUEROA, 1997 apud ZIBAS, 2002, p.235-236).
Além da incumbência pela gestão direta das escolas aos municípios o ditador implementou o sistema de subvenção de escolaridade, o qual proporcionava “a cada estudante um subsídio equivalente à média de gastos por estudante do Ministério da Educação”(CUNHA, 2008, p.32). Destarte o sistema educacional ficou separado por três tipos de instituições: as municipais e as privadas com subsídios e as privadas propriamente ditas com o pagamento das mensalidades efetuadas pelos pais. A implantação de voucher por aluno era fornecida pelo Estado a escola escolhida pelos pais, tal escolha se baseava no rendimento que a instituição escolar obtinha através da avaliação que foi inserida em 1988, a implantação do SIMCE (Sistema de Información y Medición de La Calidad de La Educación) tinha como objetivo inicial “identificar as escolas com piores resultados, tornando-as elegíveis para programas de complementaridade de recursos” (BRITTO, 2011, p.5).
Percebe-se a reduzida intervenção do Estado para com as políticas educacionais proporcionando uma ampla liberdade dos empresários se beneficiarem através do campo educacional, assim sendo evidencia a transferência da educação para o mercado considerado “o melhor mecanismo para a tomada de decisões políticas e para a integração social” (COSSE, 2003, p.212). Ideia sustentada pelas propostas de voucher adotada por Pinochet, que pensada na lógica do mercado ignora fatores sociais que interferem na história de vida dos sujeitos sociais, influenciando nos resultados do rendimento escolar.
Ainda sob a ideologia neoliberal, a criação de instrumentos para avaliar a qualidade de ensino sob a regulamentação mercadológica introduz a rivalidade entre as escolas públicas e as privadas, na medida em que fomenta a concorrência injusta, pois apesar da existência de diversos tipos de subsídios que podem variar de acordo com a localização geográfica e socioeconômica da população atendida, a entrega de subsídio é maior para as escolas “boas”, já para as escolas “ruins” diminuem, logo a tendência dessas escolas é cair ainda mais de posição nos sistemas avaliativos, haja visto, que sem um aporte financeiro adequado tendem a ter uma qualidade de ensino e aprendizagem cada vez mais inferior em relação às demais escolas, conforme apontado por Cosse(2003, p.232):
[...] as escolas com bons resultados recebem mais matrículas e as que não têm bons resultados as perdem. Uma vez que o esquema é o pagamento por aluno matriculado, as primeiras terão cada vez mais recursos e as segundas, menos. O sistema propõe uma espécie de círculo cumulativo da mediocridade no qual umas escolas ganham e outras perdem, sem se importar com os fatores exógenos que limitam a qualidade dos resultados.
Em 1990 é restaurada a democracia chilena após 17 anos de ditadura militar que foi marcado pelo compromisso do Estado com o capitalismo internacional através das reformas empreendidas por Pinochet, em especial na educação que se caracterizaram por profundas transformações no modelo de financiamento e gestão do sistema escolar.
O governo subsequente ao ditatorial, de aliança centro-esquerda, denominada Concertación, manteve o modelo herdado por Pinochet, apesar da mudança do regime político, deu-se continuidade à mercantilização da educação. Como apontado por Britto (2011) ocorre a manutenção da LOCE (Ley Orgánica Constitucional de La Enseñanza), promulgada pelo governo militar que sustentaas premissas neoliberais na educação “ao estabelecer como centro de sua inspiração a liberdade de escolha de escolas por parte dos pais, os vales escolares, a descentralização do ensino público, permitindo a seleção de alunos (SANTA CRUZ, 2006 apud HIGUERAS, 2013, p.71).
Portanto a manutenção do Estado subsidiário é preservada pela Concertación que além de continuarem políticas educacionais mercadológicas, inova o sistema de subsídio na educação destacando-se o financiamento compartilhado em 1990, o qual “previa a possibilidade de que, ao financiamento fiscal das escolas particulares subvencionadas, se somasse a cobrança de mensalidades dos pais” (GIL, 2009, p.88). Porém os recursos repassados às escolas eram conforme o valor das mensalidades cobradas pelos pais, caso cobrassem valores superiores a 4 USE perderiam o direito à subvenção.
Também no que se referem aos professores, em junho de 1991 é criado o Estatuto dos Profissionais da Educação por meio da Lei n°19.070, que de acordo com Araújo criam-se regras para a jornada de trabalho e as férias de todos os professores, garantindo também aos professores municipais uma base comum e melhores salários, “incentivos ao aperfeiçoamento, à experiência profissional e ao exercício em condições difíceis, protegendo-os, ainda, das tentativas de movimentação” (2009, p.66).
Ainda sobre a subvenção chilena, a lógica mercantil na educação traz consigo a meritocracia determinando o sucesso ou o fracasso de uma escola, conforme evidenciado nos sistemas de avaliação que de acordo com Gentili (1998, p.23) “é avaliação das instituições escolares e o estabelecimento de critérios de qualidade que permite dinamizar o sistema, mediante uma lógica de prêmios e castigos que estimulam a produtividade e a eficiência, no sentido antes destacado”. No Chile além do SIMCE também destaca-se o Sistema Nacional de Avaliação de Desempenho (Sned) que beneficia aos professores cujas escolas apresentam melhores resultados da aprendizagem, através de um incremento das subvenções, contribuindo para que ocorra competição entre os professores e suas respectivas escolas.
Percebe-se a reduzida atuação do Estado nas políticas educacionais no Chile, apesar dessa redução, conforme Gil (2009, p.92) menciona “questões essências continuam sob a responsabilidade direta do governo da República, como as definições minuciosas da ‘regra do jogo’” fator esse que se assemelha em muitos aspectos do que é propalado por Friedman (2014, p.17):
a existência do mercado livre evidentemente não elimina a necessidade de governo. Ao contrário, o governo é essencial não só como fórum para determinar as “regras do jogo”, mas também como árbitro para interpretar e aplicar as regras aprovadas. O que o mercado faz é reduzir em muito a variedade de questões a serem decididas por meios políticos, e, assim, minimizar a extensão em que o governo precisa participar diretamente do jogo.
As reformas ocorridas na educação chilena, a partir do ideário neoliberal, divulgada como um modelo de sucesso para os demais países da América Latina, foi vista com descontentamento pelos estudantes secundaristas que demonstraram suas insatisfações contra as políticas empreendidas pela ditadura e aperfeiçoadas no período pós-ditadura, através das manifestações que ficaram conhecidas como a Revolta dos Pinguins, apesar de não conseguir todas as reivindicações, o movimento estudantil conseguiu a substituição da LOCE pela Ley General de Educación(LGE) que segundo Oliva (2010):
[...] manteve inalterado o papel do Estado subsidiário e garantidor de uma educação de qualidade para todos, por meio da continuidade do sistema de financiamento estatal, seja via subsídios por aluno, seja pelo financiamento compartilhado nos diversos níveis de ensino, bem como pela manutenção da estrutura de livre mercado (OLIVA, 2010 apud BRITTO, 2011, p.6).
Fica evidenciado a complexidade do sistema educacional chileno, em especial do modelo de subvenção de escolaridade que inspirados nos preceitos neoliberais, em muito se assemelha com a proposta de distribuição de vouchers de Milton Friedman, apesar da similaridade autores como Gonzales afirmam haver diferenças, pois:
os pais não recebem nada diretamente do Estado, sendo que as subvenções de escolaridade são enviadas mensalmente para os estabelecimentos municipalizados e particulares relacionados a esta modalidade de financiamento conforme o número de alunos que freqüentam as aulas (GONZALES, 1999 apud GIL, 2009, p.83).
O modelo chileno privilegia a iniciativa privada com a justificativa de proporcionar liberdade de decisão para os pais matricularem seus filhos, porém diferente do que Milton Friedman preconizava o Estado não dá diretamente nenhum valor para os pais, mas transfere-o para a escola escolhida. É certo que Friedman não conseguiu a materialização plena do que idealizava sobre a educação em seu livro Capitalismo e Liberdade, mas é evidente que conseguiu que as mudanças nas políticas educacionais chilenas fossem influenciadas pelos seus ideais, assim como no Chile, a reforma neoliberal no Brasil não vem ocorrendo em sua pureza teórica, mas sim como uma ideologia norteadora para com as políticas educacionais brasileiras, que foi introduzida através da influência do denominado Consenso de Washignton que apesar de fazer alusão às políticas de ajuste econômico, Gentili (1998) indica que existe também um Consenso para com as políticas educacionais.
Considerações Finais
Através da ampla reforma educacional no Chile supracitada evidencia o progressivo domínio das políticas neoliberais para com a educação através da defesa do Estado Mínimo e uma vasta implantação de privatizações do ensino público, mascarados pelos ideais de qualidade e liberdade, sendo que para preservar a liberdade de acordo com Friedman (2014) deve limitar e descentralizar a atuação governamental, no caso da educação é preservada a liberdade dos pais na escolha da instituição em que seus filhos vão estudar e a liberdade dos empresários ganharam para lucrar no campo educacional, através do dinheiro dos pais e também do Estado.
Além do mais ao privatizar a escola pública nega-se o direito a educação e aprofunda os mecanismos históricos de exclusão social, pois a educação pensada na lógica do mercado estimula a competitividade entre as escolas, professores e alunos, com vista à produtividade e eficiência, transfere a responsabilidade de uma educação de qualidade apenas para o individuo, seja ele aluno, professor ou pais, através de seu esforço e mérito. Sendo que a formação se volta para a necessidade do mercado é ele “que emite os sinais que devem orientar as decisões em matéria de políticas educacionais” (GENTILI, 1998, p.23). Portanto o setor privado vê a educação pública como campo vasto de novas oportunidades de lucro, através da transferência de competências e de recursos públicos deslocando o papel do Estado e dificultando a garantia da realização do direito cidadão pela educação pública, gratuita e de qualidade.
A atual presidente do Chile, em seu terceiro mandato, Michelle Bachelet, tem buscado desde seu primeiro governo, a promoção de reformas educacionais com intuito de atender a manifestações constantes desencadeadas pela insatisfação da sociedade chilena, como por exemplo o movimento de ‘Los Pinguins’, movimento estudantil que reivindicou, mudanças na gratuidade, por qualidade para escola pública e revisão da avaliação de sistema, a SIMCE. O Chile, está num processo de mudanças, que ora levantamos mediante aproximações com profissionais do sistema educacional chileno, com intuito de prosseguir estudando este contexto marcado por intensas contradições.
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