Apesar do Dia do Índio no país (19 de Abril), os povos indígenas não têm o que comemorar. A ofensiva sobre seus territórios e direitos tem sido extremamente dramática. Paradoxalmente, mesmo em um cenário tão adverso, eles continuam sendo fonte de inspiração e resiliência.
Tanto no “chão de terra batida” como nos gabinetes dos centros de poder, a realidade enfrentada pelos povos indígenas brasileiros é preocupante e tem sido motivo de reiteradas denúncias tanto no Brasil como internacionalmente. A existência de 305 etnias que falam 274 diferentes línguas, com múltiplas cosmovisões e modos de vidas, é uma das maiores riquezas do Brasil e, infelizmente, continua desconhecida pela maioria de nós, não-indígenas.
Mesmo diante de tamanha diversidade, se há algo comum em relação aos povos originários do Brasil é o fato de que eles se reconhecem como parte inerente da natureza: eles “são natureza”. Não há separação. A Terra é Mãe. Ela é sagrada. “Nós pertencemos a ela. Ela não pertence a nós”, repetem como um mantra. E, por isso, os diferentes povos indígenas não têm a intenção e nem a prática de controlar, de dominar a natureza. Ao contrário, sentem-se com a missão de protegê-la, de mantê-la viva. Porque “se algo acontecer à Terra, acontecerá aos filhos da Terra”.
E é justamente por se colocarem na linha de frente da proteção de seus territórios sagrados e ancestrais, das florestas, dos rios e dos bens naturais neles existentes, que os povos indígenas vêm sendo, historicamente, massacrados. No Brasil de 2018 não é diferente. Dados do último relatório “Violência contra os Povos Indígenas no Brasil“, publicado pelo Conselho Indigenista Missionário, mostram que a maioria das terras indígenas continua sofrendo com grilagem de terras, roubo de madeira e de minérios, invasões, aumento das ameaças, dos conflitos e da violência, perda de biodiversidade e o crescimento de mortes na infância, de suicídios e de homicídios.
As três esferas de poder, Judiciário, Legislativo e Executivo , que constitucionalmente deveriam assegurar a existência e a proteção dos territórios e dos povos indígenas, têm atuado de forma a legitimar a exclusão dos indígenas de suas terras tradicionais.
Exemplos da retirada de direitos constitucionais duramente conquistados não faltam: a paralisação e suspensão dos procedimentos demarcatórios; o completo desmonte da Fundação Nacional do Índio (Funai); e a apresentação de projetos de lei que abrem as terras indígenas para diversos tipos de exploração econômica, entre outros. O reflexo imediato dessa política anti-indígena por parte do Estado brasileiro é o aumento exponencial da violência no campo e nas aldeias. Na prática, elas funcionam como licenças do Estado para a apropriação indevida dos territórios e a violência contra os indígenas.
Neste sentido, um dos casos mais emblemáticos da atual realidade dos indígenas no Brasil é o do povo Karipuna, que secularmente habita as florestas da Amazônia. Atualmente, com uma população de 58 pessoas, eles moram na aldeia Panorama, a 186 km da capital Porto Velho, em Rondônia.
Quase extintos na década de 1970, após um contato traumático com a sociedade não indígena, este povo foi reduzido a apenas quatro sobreviventes. Mesmo tendo a Terra Indígena Karipuna sido homologada há duas décadas, eles continuam ameaçados pelas invasões, pela grilagem, pelo roubo de madeira, pelo garimpo e pela crescente violência. O caso é tão grave que o Ministério Público Federal (MPF) de Rondônia considera que se trata de um caso de genocídio.
A liderança indígena Adriano Karipuna, 32 anos, partiu para Nova York no início desta semana para participar do Fórum Permanente da Organização das Nações Unidas (ONU) para Questões Indígenas e denunciar as ameaças e a situação de abandono que seu povo enfrenta. “A gente protege a floresta não só para os indígenas, mas pra todo mundo. Estamos cuidando deste patrimônio. E é preciso que sejam mais responsáveis com nós, os indígenas”, apela ele.
Os Karipuna simbolizam atualmente o elo entre um passado que ainda é bastante presente na vida dos povos indígenas no Brasil. Em uma breve entrevista, Adriano explicita que, mesmo diante de muitos desafios, no que depender dos Karipuna, o futuro será diferente. Será pleno de Bem Viver.
Confira a entrevista:
Greenpeace: Conta pra gente um pouco da história do seu povo, que quase foi extinto.
Adriano Karipuna: Sim, nós éramos cerca de 200 pessoas, segundo a minha mãe, Katicá Karipuna, uma das quatro pessoas sobreviventes. Ela tá idosa. No museu, no Rio de Janeiro, tem informações sobre a história dos Karipuna. Segundo minha mãe, ali pelos anos 70, como não tinha vacina pra imunização pra gripe, malária, e outras doenças, ficamos reduzidos apenas em quatro pessoas. Hoje continuamos um povo pequeno, com 58 pessoas. Mas isso é fruto de muita resistência porque após o contato com os não indígenas, estes quatro Karipuna ficaram sem contato de novo, voltaram pra floresta. Foi assim que sobreviveram.
GP: Mas o que aconteceu?
AK: Meu tio diz que teve um envenenamento, parece que aconteceu isso. Falaram que foi muito ruim, como até hoje ainda é. Mataram muito nossos parentes, mataram uma aldeia toda. Só escapou uma aldeia que estava mais distante. Eu nem pergunto mais pra minha mãe e pros meus tios sobre este passado. Eles ficam muito emocionados, com lágrimas nos olhos. É triste. O Estado brasileiro deve muito pros Karipuna. Teve a construção da estrada de ferro Madeira Mamoré, o ciclo da borracha, o ciclo do ouro, a construção das hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau… Tudo causando nossa morte social, cultural. A morte dos nossos rios, nossos peixes, vamos ficar sem alimentação em breve.
GP: Quais são as ameaças que o povo Karipuna enfrenta em seu território atualmente?
AK: Desde 2015, piorou muito. Tão furtando madeira e loteando nossa terra. Vendendo nossa terra porque dizem que não tem dono. Também tem garimpo de ouro na Terra Indígena Karipuna. Não sabemos quantas áreas já foram invadidas porque pode ser perigoso pra nós andar nas nossas terras. Estamos em desvantagem. Há 6 meses foi feita uma operação da Polícia Ambiental e do Ibama contra as invasões. Aplicaram multas pra quem tava com documentos ilegais, pros manejos ilegais dentro da terra indígena. Depois disso, há dois meses, incendiaram o posto da Funai, que tava abandonado. Antes já tinham roubado um equipamento de geração de energia, avaliado em R$ 62 mil. Pra nós, estas ações são muito ameaçadoras. Não estamos andando mais pela estrada, só pelo rio. Mesmo assim é perigoso. Estamos sujeitos a ser assassinados. Queremos que o Estado tire os posseiros, madeireiros e garimpeiros da nossa terra. Precisamos da terra pra poder plantar e viver, do rio pra beber água, dos peixes pra comer.
GP: Como é a vida na aldeia hoje?
AK: Lá na aldeia a gente vive da pequena agricultura. Tem mandioca pra venda e pro nosso consumo. Tem farinha, cana, açaí, abóbora. Colhemos a castanha, pescamos, caçamos. Hoje, dezesseis pessoas falam a língua Tupi-Kawahiba. O professor ensina a língua. Fazemos artesanato. Os mais velhos ensinam os mais novos alguns rituais e a cantar. Nós, Karipuna continuamos vivendo com bem viver. A gente quer viver harmonicamente, plantar mais, aumentar a venda pra gerar renda pra comunidade toda viver bem. Sem perturbar a vida de ninguém. Não roubamos nada de ninguém, não invadimos nada de ninguém. Queremos viver em paz na nossa floresta.
GP: Qual é o objetivo da sua ida à ONU nesta semana?
AK: Tá todo mundo com medo na aldeia. Eu já recebi ameaça no passado. Eu tenho medo, porque se juntar centenas de pessoas pra matar a gente, o que vamos fazer? Temos medo de um genocídio, porque tão de olho na nossa terra. O Estado brasileiro tem que retirar este povo todo que invadiu e proteger nosso território e nosso povo. Este é o papel do Estado. E o mundo tem que ficar de olho no povo Karipuna. A gente protege a floresta não só para os indígenas, mas pra todo mundo. Estamos cuidando deste patrimônio. E é preciso que sejam mais responsáveis com nós, indígenas. Estamos pedindo socorro e ajuda pra proteger nosso território, este pedaço da Amazônia.
GP: Em um contexto tão difícil, o que vocês pretendem fazer?
AK: Somos poucos ainda, mas não vamos desistir. Ninguém desiste de proteger sua Mãe. Daremos nossa vida por ela, se for preciso.
QUESTÃO:
01) A partir do texto, desenvolva um comentário sobre a situação dos povos indígenas e o risco que a Floresta Amazônica corre, a partir dos interesses econômicos.
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