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quinta-feira, dezembro 07, 2023

DRAMATIZAÇÃO DA TURMA CN 3004/2023 - PEÇA ¨A EXCEÇÃO E A REGRA" BERTOLD BRECHT

 O tema de “A EXCEÇÃO E A REGRA” é a divisão de classes reinante na sociedade capitalista, de como nela as relações de poder se naturalizam e, ao mesmo tempo, se tornam desmedidas.

Um comerciante viaja pelo deserto com um carregador, seu empregado, na tentativa de conseguir uma concessão de petróleo. Em consequência da condição climática surge a sede e a falta d’água. Na calada da noite, o empregado se aproxima de seu patrão com algo nas mãos. Seu patrão acredita ser uma pedra e, para se defender, mata o empregado com um tiro. Acontece que o empregado se aproximava para lhe oferecer água.

O caso vai a julgamento. E o comerciante, será condenado ou absolvido?


CANTOR PESQUISADO: TAIGUARA

Quando se fala na relação entre ditadura militar e música popular brasileira, os primeiros nomes que vêm à mente da maioria são Geraldo Vandré e Chico Buarque, pelas canções contestatórias que marcaram aquele período e até hoje são lembradas, ou Caetano Veloso e Gilberto Gil, que chegaram a ser presos como “subversivos” por atentar contra “a moral e os bons costumes”. Eles foram perseguidos e vigiados pelo regime, como registra a história. Nenhum outro artista, porém, foi tão censurado — e prejudicado por ser de esquerda — quanto o cantor e compositor Taiguara, que nos deixou há 25 anos.  

Tal informação não é nenhuma novidade: está documentada em inúmeras reportagens publicadas na imprensa nacional. O músico, no entanto, segue sendo pouco lembrado, apesar de sua importância para a “canção de protesto” no Brasil e da forma com que sua carreira foi destroçada por razões políticas e ideológicas. Nada indica que o esquecimento ao qual seu nome foi relegado seja mera obra do acaso: enquanto viveu, Taiguara foi monitorado, ameaçado e silenciado pelos militares e seus cupinchas civis dentro da mídia, das gravadoras e do empresariado. A intenção do establishment era, de fato, tirá-lo de cena.

Oficialmente, 68 canções do compositor foram vetadas pela censura ao longo da década de 1970. Mas, segundo a jornalista Janes Rocha, no livro “Os Outubros de Taiguara” (Kuarup), este número pode ter sido ainda maior: em suas pesquisas ela levantou, ao todo, 81 músicas de Taiguara que não chegaram a ser gravadas, executadas ou concluídas por determinação do governo brasileiro. Ninguém precisa ser especialista para concluir que, com isso, a ditadura praticamente inviabilizou a carreira de um dos mais talentosos artistas surgidos na era dos festivais.

Os problemas de Taiguara com o regime começaram antes mesmo de o artista se tornar conhecido como um “artista engajado” ou de se aproximar do Partido Comunista Brasileiro (PCB). Sua primeira canção vetada, em 1971, chamava-se “Corpos Nus” e não tinha qualquer teor político: falava apenas de uma relação sexual. A música deveria ser apresentada no 6º Festival Internacional da Canção, da Rede Globo, mas a polícia interveio e os organizadores retiraram Taiguara da disputa, à revelia.

Em 1973, montando repertório para um novo disco, Taiguara submeteu uma série de canções ao crivo da censura, como era de praxe. Ele passara por várias situações como esta nos últimos dois anos e não nutria muita esperança de realizar a gravação da forma como idealizara. Dito e feito: das 12 canções programadas para o elepê, apenas uma foi liberada — o que inviabilizou o projeto. O episódio foi a gota d’água que faltava para que o compositor tomasse a decisão de sair do País e se autoexilar em Londres. 

Mesmo à distância, Taiguara continuou sendo vigiado pelo Estado brasileiro e suas composições proibidas em solo nacional: em 1974, pouco mais de 40 letras escritas por ele foram vetadas. Para gravar era preciso negociar com os censores alterações que mudavam o sentido original das canções. Longe do Brasil, Taiguara não se reportou à censura para fazer a gravação de um disco na Inglaterra. Achou que, cantando em inglês, fosse burlar a ditadura, mas o álbum teve a entrada proibida em território brasileiro. Nunca mais se soube da matriz. 

Em 1975, Taiguara vem ao Brasil para gravar seu trabalho mais ambicioso, “Imyra, Tayra, Ipy“. O processo é longo e tortuoso. Em 1976, menos de 72 horas depois de chegar às lojas, o elepê é recolhido pela polícia e tem todas as cópias destruídas. Somente em 2013 o público brasileiro teria acesso ao disco, quando o selo Kuarup relançou a obra em CD. A conversão de álbum esquecido em clássico da música brasileira foi quase instantânea: pela excelência e originalidade, “Imyra, Tayra, Ipy” virou objeto “cult” e passou a figurar na lista dos melhores discos de todos os tempos. Para o compositor, todavia, era tarde demais: ele havia morrido 17 anos antes, vitimado pelo câncer.

Uruguaio, brasileiro e livre

Taiguara Chalar da Silva nasceu no dia 9 de outubro de 1945, em Montevidéu, capital do Uruguai. Seu nome, escolhido de comum acordo pelo pai, o músico brasileiro Ubirajara Silva, e pela mãe, a cantora uruguaia Olga Chalar, significava “senhor de si” ou “homem livre”, em tupi-guarani. Ainda criança vem para o Brasil com a família. Mora no Rio de Janeiro e, mais tarde, em São Paulo. 

Filho de camponeses gaúchos, Ubirajara Silva tocava bandoneón (instrumento de fole similar ao acordeão). Viveu em Buenos Aires e Montevidéu, onde passou parte da vida tocando tangos, murgas e chamamés para sobreviver. Foi a primeira e mais forte influência de Taiguara, tanto musical quanto politicamente — era filiado ao Partido Comunista do Uruguai e, nas palavras do filho, tinha “princípios socialistas inegociáveis”.

Aos 10 anos de idade, Taiguara começa a compor despretensiosamente, mas o marco inicial de sua carreira data de 1964, quando o jovem estudante da Universidade Mackenzie realiza uma série de shows aclamados no Teatro de Arena. Requisitado para se apresentar nas boates do Rio e de São Paulo, abandona a faculdade de Direito (com a qual não se identificava, por ser um ambiente “reacionário”) e passa a se dedicar exclusivamente à música. Em 1965, a convite da gravadora Phillips, grava seu primeiro disco, “Taiguara!”, composto basicamente por sambas com arranjos de bossa nova. 

Em 1968, o cantor vence o Festival Universitário da Canção Popular com a balada “Helena, Helena” e seu nome passa a ser comentado nacionalmente. Era questão de tempo para que chegasse às rádios — e isso se dá em 1969, com o lançamento do elepê “Hoje“, cuja faixa-título, de sua autoria, traz versos de grande força discursiva: “Hoje/ Trago em meu corpo as marcas do meu tempo/ Meu desespero, a vida num momento/ A fossa, a fome, a flor, o fim do mundo”. 

Um ano depois, em 1970, o elepê “Viagem“, em que se destaca a participação da banda de rock progressivo Som Imaginário, traz ao público “Universo No Teu Corpo”, que viria a ser uma das canções mais regravadas de sua discografia: “Eu desisto/ Não existe essa manhã que eu perseguia/ Um lugar que me dê trégua ou me sorria/ Uma gente que não viva só pra si”. 

“Viagem” foi o último trabalho da fase “romântica” de Taiguara, embora faixas como “Universo No Teu Corpo” vislumbrassem, ainda que de modo incipiente, algo de preocupação social em seu trabalho. O recrudescimento da repressão o obrigaria a tocar em temas mais urgentes.

A partir do psicodélico “Carne e Osso”, de 1971, ele passa a ser alvo constante da censura. Se em “Corpos Nus” o veto se deu por questões morais, em “A Ilha” o motivo seria político: apesar de gravada sem contratempos, a execução pública da canção foi proibida por fazer referência a Cuba: “Vou viver na ilha, na ilha/ Onde meus iguais serão minha família, na ilha”. Sem nunca ter sido cantada em shows, a música acabou esquecida até mesmo pelos seguidores do artista.

“Piano e Viola”, de 1972, e “Fotografias”, de 1973, são os últimos discos de Taiguara antes do autoexílio. Retalhados pela censura, não chegaram a sair como ele gostaria, mas deixaram à posteridade um clássico da MPB: “Que as Crianças Cantem Livres“, que também enfrentou problemas de liberação: “Pode não ser esse calor o que faz mal/ Pode não ser essa gravata o que sufoca/ Ou essa falta de dinheiro que é fatal/ Vê como o fogo brando funde um ferro duro/ Vê como o asfalto é teu jardim se você crer/ Que há um sol nascente avermelhando o céu escuro/ Chamando os homens pro seu tempo de viver”.

Taiguara não aceitava calado a perseguição dos generais. Ao contrário, reagia rasgando o verbo nos shows voltados para estudantes e operários, denunciando as arbitrariedades do regime à imprensa estrangeira e compondo sempre mais. Para cada música censurada, fazia outras duas. Em “Tinta Fresca”, escreveu: “Não me queixo do meu fado/ Não se eu quiser me deixar sair/ Me abre essa porta/ E me deixa sair/ Vou dizer o que eu quiser”. A justificativa do censor para proibir a canção não poderia ser mais patética: “Os incomodados que se mudem, pois as portas do nosso Brasil sempre estiveram abertas para sair os indesejáveis”. 

Era o tempo das prisões políticas, das torturas, dos desaparecimentos forçados. Foi nesse contexto que Taiguara percebeu que não haveria outra saída além do aeroporto, visto que até suas canções de amor eram vetadas de antemão. A questão era pessoal. Queriam fazê-lo desistir da carreira artística. Mas o cantor resistiu e continuou produzindo em Londres, onde gravou, em 1974, o elepê “Let the Children Hear the Music”, em inglês. O disco, no entanto, não chegou a ser lançado: a ditadura se antecipou e proibiu a sua entrada no Brasil, apesar de as músicas terem sido inteiramente gravadas num país estrangeiro. As fitas originais deste trabalho estão desaparecidas.

Sem se dar por vencido, o artista volta ao Brasil em 1975, com o intuito de gravar aquele que viria a ser o seu melhor disco, “Imyra, Tayra, Ipy“. Sem alarde, Taiguara consegue reunir em estúdio um time estelar de instrumentistas — a começar pelo maestro Wagner Tiso, responsável pela regência, por Hermeto Pascoal, que assina os arranjos, passando pelo guitarrista Toninho Horta e por uma orquestra sinfônica formada por 80 músicos. 

A gravação se arrastou por seis meses, num processo lento, sofrido e conturbado em que não faltaram atritos entre os músicos. O resultado final, porém, superou as melhores expectativas e valeu cada bate-boca e cada arranca-rabo. Os envolvidos sabiam que haviam feito história. 

Para Thomas Pappon, jornalista e músico, Taiguara estetizou nessa obra suas impressões do retorno ao País: “O impacto do desembarque num Rio belo e caótico está nas duas vinhetas instrumentais de abertura. Mal o artista chega, logo se engaja nas causas do povo oprimido. (…) Até o fim, o disco é panfletário, mesmo que nas entrelinhas — opção tática para driblar a censura. O próprio Taiguara, sozinho ao piano, na última música, ‘Outra Cena’, alerta para o conteúdo ambivalente das letras (‘Só não entendeu quem não quis’). Em metáforas românticas, o compositor sonha com a unidade latino-americana (‘Como em Guernica’), com o fim da censura (‘Terra das Palmeiras’), com a revolução (‘Sete Cenas de Imyra’) e o fim da ditadura (‘Situação’ e ‘Aquarela de um País na Lua’, uma agressão modal ao ufanismo de Ary Barroso)”.

“Imyra, Tayra, Ipy” é um álbum que combina samba, jazz, bossa nova, rock progressivo e ritmos latino-americanos. Apesar de a gravação ter sido autorizada pelo governo brasileiro, a circulação das músicas foi proibida. Taiguara havia programado o show de lançamento para 1º de maio de 1976, nas ruínas das Missões de São Miguel, no Rio Grande do Sul. Porém, um dia antes do espetáculo, foi avisado que seria preso se subisse no palco. 

O disco ficou apenas três dias nas lojas, sendo posteriormente recolhido pela polícia. O prejuízo com o cancelamento do show e o confisco dos elepês foi assimilado por Taiguara como um soco no estômago. A necessidade de mostrar o seu trabalho ao público já não era apenas de ordem moral ou “espirtitual”, mas financeira. Era preciso dar um jeito de pagar os boletos. O compositor decide então se autoexilar novamente. Dessa vez, com a promessa de só voltar ao Brasil quando não houvesse mais ditadura.

África e América Latina: raízes

Sabendo que o educador Paulo Freire havia trabalhado na implantação do seu método de alfabetização em países africanos recém-libertos do colonialismo português, Taiguara pede a ele uma carta de recomendação e empreende uma viagem solitária pela África, em busca de suas raízes. 

Opta pela Tanzânia, onde encontra mais facilidade para entrar e se estabelecer. O início de sua estadia é tenso: em Dar Es Salaam, maior cidade do país, Taiguara é espancado por dez homens ao defender uma mulher de uma tentativa de estupro. Recuperado do trauma, deixa a cidade grande e parte para o interior, em busca da vida mais simples. Lá se encanta pela cultura do povo maasai, por sua hospitalidade e sua forma de lidar com a natureza.

É ali que o artista mergulha nos livros e entra em contato com as ideias socialistas do teórico Julius Nyerere e dos revolucionários Amílcar Cabral e Patrice Lumumba. É também tempo de se dedicar ao estudo dos clássicos de Marx e Engels. Dentre os livros que passam a nortear seu pensamento está “O Estado e a Revolução”, de Lênin. 

Durante os anos em que mora na Tanzânia, o compositor não grava nenhum disco, mas segue compondo em silêncio, com os olhos voltados para o futuro. Em 1979, quando retorna ao Brasil no ensejo da Anistia e sob o clima de esperança proporcionado pela abertura política, Taiguara vai morar em Tatuapé, distrito operário de São Paulo, visando “ficar mais próximo da classe trabalhadora”. 

Apesar da tímida abertura, a vigilância sobre ele se mantém: pessoas desconhecidas, com frequência, seguem sua companheira e suas filhas na rua. Elas passam a receber ameaças de morte e de sequestro. O recado indireto é para Taiguara, o objetivo é amendrontá-lo. Mas ele não se dobra, segue firme na militância e faz de sua casa uma espécie de escritório informal do PCB. Nos documentos do Serviço Nacional de Inteligência (SNI), seu nome aparece citado como “militante comunista da ala Prestes”. 

Os agentes da combalida ditadura não deixavam de ter razão: assumindo-se publicamente como um artista “marxista-leninista”, o compositor se alinha à leitura da realidade brasileira feita por Luiz Carlos Prestes e dele se torna “amigo de churrasco e chimarrão”. Quando Prestes rompe com o PCB, Taiguara o acompanha. Enxerga no velho comunista uma espécie de guru intelectual. A convivência com Prestes lhe abriu os olhos para o fato de que “não bastava escrever poesia e canções; era preciso organizar e lutar para promover a revolução socialista.”

É Prestes quem sugere o nome do primeiro álbum que Taiguara gravaria no Brasil após o autoexílio: “Canções de Amor e Liberdade”, lançado em 1983 de forma independente pela gravadora Alvorada. Trata-se do trabalho mais politizado da carreira do compositor, em que sua visão socialista de mundo aparece explícita, sem a preocupação de driblar a censura. Na capa, o artista é retratado com barba, pela primeira vez. Atrás dele, o mapa da América Latina e o fundo vermelho.

Se os arranjos de “Canções de Amor e Liberdade” não chegam nem perto da grandiosidade de “Imyra, Tayra, Ipy”, as letras alcançam um patamar superior em sua discografia: o conteúdo político das canções não se limita ao panfleto; antes revela um lirismo amadurecido, vinculado à tradição literária do cancioneiro nacional. A metáfora já não se faz mais necessária como antes, mas continua sendo empregada como recurso estilístico. 

As faixas exaltam a união dos povos latino-americanos e suas revoluções, falam da resistência dos povos indígenas ao colonialismo europeu, denunciam a exploração do trabalho, etc. Em “Marília das Ilhas“, o compositor toma lado na Guerra das Malvinas, ocorrida um ano antes, ao defender que as ilhas são argentinas e não inglesas: “E o gringo que invadiu teu lar/ A um índio vai ter que enfrentar/ Tão grande é o meu contingente/ É o meu continente que aprende a lutar”. Nesta gravação, a guitarra de Sérgio Bianchi, representando o gringo invasor, promove um duelo com Ubirajara Silva, pai de Taiguara, cujo bandoneón simboliza o povo argentino.

Em “Voz do Leste“, o compositor escolhe o chamamé (estilo musical de origem indígena, com ocorrência na região dos pampas) para falar da realidade do operário brasileiro, num momento em que Lula despontava como liderança nacional após as greves do ABC: “Sou voz operária do Tatuapé/ Vivo como posso a me deixa o patrão/ E enquanto respira dessa chaminé/ Meu povo se vira e não vê solução”. Na faixa, Taiguara canta ao lado da dupla caipira Cacique e Pajé. 

Destaca-se também a canção “Mais Valia“, que recorre a uma metáfora romântica para abordar o conceito de mesmo nome elaborado por Karl Marx. Em linhas gerais, a mais-valia refere-se à diferença entre o valor final de uma determinada mercadoria e a soma do valor do trabalho e dos meios de produção necessários para que ela possa ser fabricada: “Mais valia eu ter-te amado/ Que ter-te explorado tanto/ Mais valia o meu passado a teu lado/ Do que mais luxo e mais encanto/ Fiz capital, te explorando/ Fiz o mal, nos separando”. 

Apesar do otimismo que rondava o Brasil pós-ditadura, em meados da década de 1980, “Canções de Amor e Liberdade” não repercutiu como o cantor imaginava. Os anos passados na Europa e na África, sem fazer shows e sem tocar nas rádios, foram cruciais para a não renovação do público de Taiguara. Antigos fãs, por sua vez, estranharam a “radicalização política” de sua carreira. Antes, pelo menos, o discurso de esquerda não era tão explícito e as canções de amor predominavam em seu repertório, diziam os críticos nas entrelinhas.

Em 1984, num comício das Diretas Já, Beth Carvalho chama Taiguara ao palanque. Era a primeira vez que o artista se reencontrava com o povo brasileiro num evento de massa. Microfone em punho, falou à multidão, parodiando a si mesmo: “Depois de proibido pela ditadura durante dez anos, eu digo a vocês que… Eu resisto! Já existe essa manhã que eu perseguia! Um lugar que me deu trégua e me sorria… E uma gente que não vive só pra si…”

Prestes, Beth Carvalho e Taiguara

A partir daí, Taiguara, que desde seu retorno ao Brasil vinha trabalhando como repórter no jornal “Hora do Povo”, tenta retomar a carreira artística. Inicialmente é bem recebido e volta a ser convidado a se apresentar em programas de rádio e TV. Consegue ainda fechar alguns shows. A “trégua”, porém, dura pouco: passada a comoção geral pelo repatriamento do cantor, os convites começam a rarear. 

Por parte dos contratantes havia a ressalva pela forma como o artista passou a se dirigir ao público, interrompendo apresentações para discursar a favor da guerrilha sandinista, que tomara o poder na Nicarágua, ou para fazer uma palestra sobre a revolução socialista em Burkina Faso. A censura, dessa vez, não precisava mais do regime militar para se impor. Ela continuava existindo, agora de forma bem mais sutil.

Silenciado, mas não pela história

Em 1994, o compositor viaja a Cuba, onde estivera dois anos antes com a comitiva de Chico Buarque. Numa tentativa de reaprumar a carreira, grava em Havana seu último disco, “Brasil Afri“, que ressalta as suas raízes afrolatinas. É o primeiro trabalho lançado no formato CD. São convidados a participar da gravação o grupo cubano Manguaré e a cantora Zezé Motta. O genial violonista Raphael Rabello, que viria a falecer pouco tempo depois, toca em uma faixa. 

Das letras presentes em “Brasil Afri”, uma elogia a Revolução Cubana, outra declara seu amor pela nova esposa e há uma homenagem a Luiz Carlos Prestes. “Cavaleiro da Esperança” nunca havia sido gravada antes, embora estivesse há anos no repertório dos shows: “Pois Ogum guerreiro não morre/ Prestes a encontrar/ Uma estrela d’alva pra nos guiar”. 

Em entrevista na época do lançamento do derradeiro disco, Taiguara disse que seu trabalho não se encaixava em nenhum rótulo, mas que, se o obrigassem a classificá-lo, seria algo como “um samba-canção com superestrutura no lado romântico, preservando o lirismo musical e este sonho de um mundo mais livre e fraterno”. O câncer na bexiga já estava em estágio avançado.

Taiguara Chalar da Silva morreu no dia 14 de fevereiro de 1996, aos 50 anos de idade, esquecido pelo público, desprezado pelas gravadoras e boicotado pela mídia. Ainda que tenha voltado do exílio a tempo de gravar dois belos discos de música brasileira, o estrago causado pela ditadura era maior do que se pensava. A abertura democrática não representou a abertura de portas para ele.

Janes Rocha, biógrafa do artista, não tem dúvidas de que Taiguara seria hoje muito mais conhecido e lembrado se não houvesse passado pela censura e pela perseguição do regime militar. Os dez anos em que se viu obrigado a ficar longe da cena musical e do público cobraram um preço altíssimo. Até hoje não é tarefa simples acessar toda a sua discografia: nos serviços de streaming ela está incompleta e seus elepês são vendidos a preço de ouro nos sebos. Fora da imprensa há pouco material escrito sobre sua vida e obra. 

O jornalista gaúcho Gustavo Rolim compara a trajetória de Taiguara com a do própio País: “Um uruguaio brasileiro, um negro indígena, que visitou e se encantou pela África revolucionária, que volta ao Brasil e acolhe o comunismo. Entretanto, diferente do que o senso comum prega, não saltou do comunismo à censura; saltou da censura ao comunismo. Transformou a violência que sofria em motivo para tentar ler o mundo à sua volta, compreender as suas raízes e, essencialmente, superá-la. Esta não é qualquer trajetória. Poderia ser, mesmo, a trajetória de nosso país, sua tentativa desesperada de gerações e gerações em compreender-nos a nós mesmos”.

Taiguara morreu convicto de que o mundo deve ser transformado e de que a música pode cumprir um papel nessa tarefa. Sua última letra, escrita no leito do hospital, dias antes do fim, reverencia o povo brasileiro: “O morro desce sambando frente aos mares/ E um afrocanto banto nos devolve/ A luta que cresceu com Zumbi dos Palmares/ Milhões, Zumbi, saberão/ Povo novo e livre, o brasileiro viu/ Sua língua nascer dos quilombos”.

Fonte: Revista Ópera

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