OCDE adverte para o declínio da “comprimida” classe média
Relatório afirma que esse grupo social está minguando devido ao estancamento de seu nível de vida, enquanto o das camadas mais altas melhora
O secretário-geral da OCDE, o mexicano Ángel Gurría. MAURIZIO BRAMBATTIEFE
A classe média dos 36 países mais desenvolvidos do mundo se enfraqueceu. “Está comprimida”, conclui a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE). O clube dos países mais prósperos do planeta apresentou nesta quarta-feira na ONU um estudo para alertar que esse grupo social está minguando devido ao estancamento ou declínio do seu nível de vida, enquanto o das rendas mais altas melhora.
Não há economista que não defenda que um país é mais próspero na medida em que tiver uma classe média mais próspera e estável. Mas como definir esse coletivo? No relatório Sob Pressão: A Classe Média Comprimida, divulgado nesta quarta-feira, a OCDE recorda que para muitas gerações ser de classe média significava viver numa casa cômoda, com um estilo de vida gratificante e um trabalho estável, com oportunidades de carreira. “Era uma base a partir da qual as famílias aspiravam a um futuro melhor para seus filhos”, salienta o estudo. Mas essa classe social cada vez tem mais dificuldades, segundo a OCDE. A recente crise financeira se encarregou de lhe dar uma boa dentada e turvar seu futuro. “A influência desse coletivo também caiu de forma drástica”, aponta o organismo.
A instituição formada pelos países mais desenvolvidos do mundo usa uma definição mais empírica para delimitar o que é a classe média: aqueles cuja renda está entre 75% e 200% da renda média nacional. O organismo sediado em Paris adverte que há cada vez menos cidadãos nessa faixa e pede aos Governos que façam mais esforços para apoiá-los. Afirma que este grupo acumula dificuldades para manter seu peso econômico e seu estilo de vida devido ao fato de que a estagnação de seus salários não lhes permite acompanhar o aumento dos custos de habitação, educação e outras despesas, segundo a OCDE.
Em três décadas, a proporção de famílias consideradas neste grupo social se reduziu de 64% para 61%, de acordo com o estudo. De meados dos anos oitenta até meados desta década, sua influência como “centro gravitacional” da economia também enfraqueceu. Se em 1980 a renda conjunta deste setor era quatro vezes maior do que a dos mais ricos, atualmente representa menos de três vezes.
“A OCDE constata que nas últimas décadas a classe média viu seu nível de vida estancar ou diminuir, enquanto os grupos de rendas mais altas continuam concentrando riqueza”, diz Gabriela Ramos, diretora da OCDE, no preâmbulo do relatório, no qual lembra que as análises atuais revelam que 10% das rendas mais altas acumulam quase metade da riqueza, enquanto que 40% das rendas mais baixas detêm apenas 3%.
O documento explicita os crescentes problemas de desigualdade no mundo. E argumenta com dados como o grupo que integra a classe média encolhe a cada geração. A OCDE observa que 70% dos baby boomers — aqueles nascidos com a explosão demográfica em meados dos anos sessenta — faziam parte dessa classe social quando tinham 20 anos. Nos millennials –os nascidos a partir dos anos oitenta — o percentual cai para 60%. “A geração anterior teve empregos mais estáveis do que as gerações mais jovens”, aponta o relatório. Os salários pouco mudaram tanto em termos relativos quanto absolutos.
A renda de uma família considerada de classe média varia de país para país. Na Espanha, para entrar nesse patamar, uma pessoa morando sozinha precisaria ganhar entre 12.910 e 34.430 dólares por ano (entre 49.384 e 131.963 reais), de acordo com a escala da OCDE. No México, entre 3.760 e 10.020 dólares, enquanto nos Estados Unidos iria de 23.420 a 62.442 dólares. Se alguém ganha 23.000 dólares por ano, seria considerado de classe média em 25 dos 34 países da OCDE.
O rendimento médio cresceu a um ritmo mais lento durante a última década do que nas anteriores. O estudo aponta que nos últimos anos avançou a um ritmo rítmico de 0,3%, comparado com o 1% que avançou entre meados dos anos oitenta e meados dos anos noventa e o 1,6% entre meados dos anos noventa e a década seguinte. Somente em Israel e na Turquia a renda média é maior do que antes da crise, enquanto na Espanha e no México a renda média é “consideravelmente mais baixa”, um cálculo realizado considerando a evolução dos preços.
A crise de 2008 afetou este grupo. Uma das consequências da recessão é a piora de suas perspectivas. Isso explica, em parte, o surgimento de populismos e fenômenos políticos e sociais, como os coletes amarelos na França. Ángel Gurría, secretário-geral da OCDE, pede aos Governos que atuem para ajudar uma classe média em dificuldades. “Eles têm de ouvir as preocupações das pessoas e proteger e promover o padrão de vida da classe média”, exigiu. “Isso ajudará a impulsionar o crescimento econômico e a criar um tecido social mais coeso e estável”, concluiu.
A OCDE aponta que uma em cada três pessoas é “economicamente vulnerável” e adverte que isso acontece em países com sistemas de proteção social muito desenvolvidos, o que torna a situação ainda mais chocante. Entre as famílias de classe média, acrescenta, uma em cada sete poderia sair do grupo. A classe média também envelhece mais rápido do que o resto da população.
O relatório mostra que tende a haver menos desempregados que conseguem permanecer nesse nível social. Duas décadas atrás, diz a OCDE, metade das pessoas em idade de trabalhar que saíam do mercado de trabalho conseguiam manter sua posição. Agora, a maioria entraria na classificação de baixa renda. A queda é particularmente pronunciada na Espanha.
A percepção dos cidadãos em relação a esta disparidade é que o sistema econômico atual é “injusto” e que a classe média não se beneficia do crescimento da mesma maneira que contribui. A OCDE também aponta que o custo de vida está aumentando para a classe média, porque despesas como habitação crescem mais rápido do que a renda e a inflação. “Mais de uma em cada cinco famílias gasta mais do que ganha”, revela o estudo ao citar o endividamento: “parece cada vez mais, como um barco navegando em águas turbulentas”.
A mobilidade social também se reduz, porque as perspectivas do mercado de trabalho são cada vez mais incertas por causa da transformação derivada de fenômenos como a digitalização ou a automação. A OCDE observa que um em cada seis trabalhadores que recebem um salário médio poderia ver seu emprego ser substituído por máquinas em um futuro cada vez mais próximo.
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