A
afirmação da historiografia nacional
A
historiografia brasileira está impregnada por narrativas que discursam sobre a
nação, a pátria, a sociedade, o Estado brasileiro. Esta afirmação, longe de ser
tautológica, designa o lugar que o recorte temático “nacional” assumiu entre os
historiadores brasileiros. Os grandes textos, os clássicos da historiografia,
aqueles que tomaram lugar no panteão consagrado pelo pensamento político e
social, lidos como referências obrigatórias nas nossas universidades, escritos
pelos que se tornaram nossos mestres historiadores, remetem-nos,
inequivocamente, à uma História do Brasil.
Essas
referências nos levam de volta ao século XIX, momento de constituição do Estado
brasileiro. O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e o atual Arquivo
Nacional, ambos criados em 1838, encabeçaram, à época, o conjunto de forças
institucionais no campo de produção de uma historiografia nacional. Os dois, em
um esforço sistemático de recolhimento e catalogação de fontes documentais e de
elaboração de narrativas sobre o Império, produziram memórias fundadoras da nacionalidade.
Foram edificados sob os auspícios de um governo monárquico que, orientado pelo princípio
da centralização e pelo temor da fragmentação territorial – vista como um dos
males da América hispânica -, tornou-se um dos principais agentes interessados
em apagar e soterrar memórias e referências de pertencimento marcadas por
localismos e regionalismos.3 Nessa
perspectiva surge a História
Geral do Brasil,
de Francisco Varnhagen, em 1854, e as suas “traduções escolares”, em especial aquelas
escritas pelo romancista Joaquim Manuel de Macedo, em 1861 e 1863.4
No
século XX, os esforços em tornar “brasileiros” todos os que viviam em “terras
do Brasil” mobilizou tanto intelectuais como dirigentes estatais. A pesquisa
empreendida pelos modernistas dos anos 20 em diante, visava aflorar os traços
da nacionalidade brasileira escondida sob os ideais cosmopolitas predominantes
nas elites intelectuais do início do século. Nas palavras de Gilberto Freire,em
1926, precisavam sentir o “grande Brasil” que crescia em oposição aos que
teimavam ver as coisas “através do pince-nez de bacharéis afrancesados”.5
A
nacionalização da escola, a partir da obrigatoriedade do ensino na língua
portuguesa e a sedimentação de conhecimentos de História e Geografia do Brasil;
as grandiosas comemorações de festas cívicas nacionais, como o Dia da Bandeira,
Dia da Raça, Dia do Trabalho; e a criação de agências nacionais de fomento às
artes nacionais foram algumas das políticas culturais do Estado Novo
(1937-1945). Este foi o único período da República brasileira a impor
constitucionalmente o unitarismo político, negando autonomia
política-orçamentária-legislativa das localidades estaduais e municipais.
A
democratização após a II Guerra Mundial levou à tematização nos meios políticos
e intelectuais do caráter “subdesenvolvido” da economia e da sociedade
brasileira. Os anos 50 ensejaram projetos nacional-desenvolvimentistas, que
articulavam os meios para romper com o que se considerava o atraso econômico e
cultural da nação. O Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), criado
em 1955 e sediado no Rio de Janeiro, reuniu parcela da intelectualidade que,
imbuída de convicções acerca da urgência das transformações, pari passu ao Plano de Metas JK
(“Cinquenta anos em cinco” – 1956-60), divulgava através de cursos, palestras e
textos impressos a “significação do nacionalismo”6 .
Durante
os governos autoritário militares (1964-1985), os dirigentes impulsionaram
políticas de integração nacional de largo espectro, desde a construção de
estradas “integradoras” de várias regiões até a criação de um aparato
tecnológico que desse conta da nacionalização dos meios de comunicação, isto é,
da difusão de valores e bens simbólicos. A Rede Globo de Televisão, que veio a
se tornar, da década de 70 aos dias atuais, a principal rede de televisão do
país, em caráter quase monopolista, cresceu na esteira dessas transformações,
construindo, a partir do Rio de Janeiro, uma imagem de um Brasil moderno,
urbano e nacional. 7
Sintonizada
com as transformações mundiais do ofício do historiador – desde a constituição
de novos objetos e métodos, passando pela ampliação dos domínios e territórios
da historiografia até a discussão dos estatutos e das fronteiras da disciplina
–, a moderna historiografia brasileira, posterior à implantação da
Pós-graduação nos anos 70, reiterou fortemente o foco na Nação e/ou no Estado nacional.8 Algumas vezes,
entretanto, ao anunciar a tematização do nacional, algumas obras focalizavam especificamente
algumas regiões, tomando a parte pelo todo, isto é, supostamente a região que
foi objeto de estudo deveria ser paradigmáticas das experiências ocorridas em
todo o Brasil. Lembro, apenas como exemplo, estudos sobre industrialização,
movimento sindical e movimentos abolicionistas, onde os historiadores assumiam
que os processos ocorridos ora na cidade de São Paulo, ora na do Rio de
Janeiro, seriam exemplares, constituindo-se não em uma determinada experiência,
mas na História do Brasil.
Questões para a reflexão:
01) Onde no campo da historiografia, se insere a História Regional e Local?
02) Quais os problemas que se colocam para este campo?
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