O cenário é desanimador: cada vez menos jovens se interessam pela licenciatura, e cresce assustadoramente o número de profissionais que abandonam suas carreiras docentes.
Isso reflete as dificuldades enfrentadas na profissão, que ultrapassam os limites da sala de aula, do ofício propriamente relacionado ao aluno. A desvalorização do profissional, os baixos salários, os planos de carreira não atrativos, a escassez de recursos humanos, físicos e tecnológicos nos espaços escolares e a falta de incentivo para uma formação continuada podem ser determinantes no desinteresse pela carreira. No entanto, arrisco dizer que poucos fatores inquietam mais um professor do que a rotina desgastante de quem precisa substituir, na maioria das vezes, o papel de uma família ausente, do que as dúvidas sobre o seu verdadeiro papel na atualidade e os abismos existentes entre a formação que recebemos academicamente e o cenário de vida real de todo o sistema educacional.
Educar para a diversidade
O papel do professor vem, gradativamente, sofrendo alterações, assim como toda a sociedade em que vivemos. De centralizador de todo o processo educacional, de possuidor inatingível das verdades do conhecimento, o professor passa a ser um facilitador, um mediador do processo de aprendizagem, cedendo cada vez mais espaço em um campo que era incontestavelmente seu, para olhar o seu aprendiz com o intuito de ser um mediador inspirador, e não mais um impositor da vontade do saber.
O professor contemporâneo tem que ter em mente que é um sujeito ativo nas mudanças da realidade em que opera, apontando possibilidades, possibilitando mudanças. Tem que ter olhares múltiplos para o meio onde atua. Mais do que disciplinas componentes do currículo escolar, temos a difícil missão de facilitar um conhecimento que visa a educação para a diversidade, que respeita os direitos humanos, possibilitando o pleno desenvolvimento da cidadania dos nossos alunos.
Por que acreditar?
Respiro fundo antes de começar a elencar tantas razões que me fazem acreditar na docência: vale a pena contribuir para a mudança de mentalidade de todo o meio social que envolve a escola onde eu trabalho; seguir semeando sonhos, empoderando os jovens e encorajando-os a buscarem seu espaço no mundo. Vale a pena demonstrar que o aluno é tão possuidor do conhecimento quanto eu, compartilhando daquele mesmo espaço, construindo experiências e desenvolvendo suas potencialidades. Vale a pena sair da minha zona de conforto e não me conformar com o que não funciona; o desafio de inovar, encantar, entusiasmar e incentivar o meu aluno a refletir, usar a criatividade e habilidades para se posicionar criticamente no mundo. Vale a pena reconhecer que meu trabalho, quando possibilita o desenvolvimento integral do educando, respeita as proposições do Estatuto da Criança e do Adolescente, no que diz respeito ao acesso e à permanência desse aluno na escola, espaço onde qualquer educando deve se sentir seguro e protegido. Vale a pena proporcionar diariamente a interação entre o conhecimento científico e o contexto social, para que a aprendizagem de conteúdos seja uma aprendizagem significativa, valorizando o universo do estudante.
Ser professor em tempos de fundamentalismos, de incitação ao ódio, da desvalorização das diferenças, de descrença na carreira docente, é manifestar coragem, força e resistência, mantendo o ideal de que, através da educação, podemos transformar pessoas para que, então, elas possam transformar o mundo, como diria Paulo Freire. Vale a pena contribuir para a transformação de uma realidade, questionando o que está imposto, propondo novas ideias, respeitando as especificidades e a liberdade de cada um. Se as condições de trabalho ainda não são as ideais e engessam a minha prática pedagógica de alguma forma, vale a pena me posicionar politicamente e lutar por melhorias para toda a minha categoria, pois professor que está lutando, também está ensinando. Vale a pena, em tempos de tanto individualismo, reforçar e assumir diariamente que a educação é um compromisso de todos.
Tenho a prazerosa certeza de que consigo tocar positivamente a vida de muitas pessoas, porque, acima de tudo, respeito meu aluno como ser humano. Quando consigo tocar um coração, quando vejo no olhar do meu aluno a força e a vontade de aprender, uma pequena parte do sistema, ainda tão cheio de falhas, se abre para mim. Vale a pena ser professor porque cada dia mais me certifico de que tenho a oportunidade de reassumir meu compromisso, contribuindo para um futuro melhor para a infância e a juventude brasileira.
Cassia Serpalicenciada em Letras - inglês pela PUCRS, professora da rede pública e de aulas particulares em preparação para exames.
artigo publicado na edição 461, outubro de 2015 do Jornal Mundo Jovem.
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