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terça-feira, março 29, 2016

O Plano Econômico do Golpe se exitoso, irá piorar a vida das pessoas humildes

Convidamos o leitor a um exercício de imaginação. A presidenta Dilma é retirada da Presidência e assume a presidência da república o vice da chapa, Michel Temer, do PMDB. Na consequência do golpe parlamentar, os golpistas organizam um novo governo de coalizão com os partidos da oposição neoliberal - o PSDB, o DEM, o PPS, o SDD e demais consortes de oportunismo político.
 Qual seria o programa do novo governo golpista? Que propostas teriam para resolver a crise brasileira? Embora os artífices do golpe, bem como mídia interessada, busquem ocultar a verdade e utilizem argumentos mentirosos do impeachment os verdadeiros interesses, pode-se gritar como na fábula infantil ao aviso de incêndio, “fogo na floresta”.
Aonde podemos encontrar o “fogo”, a diretriz e o programa do golpe? Pois bem, a programática miserável de um governo saído do golpe do impeachment está escrita, com todas as letras, sem subterfúgios, no documento “Uma ponte para o futuro” - também conhecido como “Projeto Temer”, vindo a lume no dia 29 de outubro do ano passado.
Logo que lançado, o documento coordenado por Temer recolheu propostas e diagnósticos do capital financeiro, dos rentistas da dívida pública, dos grandes grupos de mídia e da intelectualidade neoliberal. Trabalhadores, sindicatos, movimentos sociais não entram nesse time. De todo modo, até por isso, neste momento de aguçar do ponto de ebulição máximo da crise política é de fundamental importância desmontar e desmascarar o malfadado documento “Uma ponte para o futuro", pois assim esclarecemos os danos irremediáveis de um governo saído do golpe para o futuro do Brasil, do povo e dos trabalhadores brasileiros.
Por tudo isso, advirtimos que nas crescentes mobilizações e certamente exitosas contra o golpe, não é suficiente, embora fundamental, desmontar os inconsistentes argumentos políticos e jurídicos arguidos na inepta representação do impeachement acolhida por vingança por Eduardo Cunha - a inocuidade das tais das “pedaladas fiscais” para caracterizar “crime de responsabilidade”. Falta o outro lado da mesma moeda. No mesmo diapasão, também é da maior importância a leitura, seguida de denúncia, do que estou chamando de o plano econômico do golpe - neste caso apelidado por seus escribas sob o pomposo título que pronuncio mais uma vez, de “Uma ponte para o futuro”. Ambos, representação inepta e plano neoliberal, condensam tanto os motivos das conspirações em curso contra o governo da presidenta Dilma como antecipa o perfil global, econômico e social, do que porventura virá.
Diga-me com quem tu andas e digo eu quem é você. O plano Temer serve para mapear o conjunto das andanças conspiratórias de Temer com os setores e os intelectuais orgânicos do grande capital. Agora mesmo, especula-se que a área econômica do hipotético governo do golpe será entregue a um dos dois personagens testados, Henrique Meirelles (expresidente do Banco de Boston) ou Armínio Fraga (exassessor de George Soros), ambos conhecidos representantes do capital financeiro. No entanto, curiosamente, embora se especule nomes, nenhum dos oposicionistas se abre para o debate franco de opinião pública das medidas a serem adotadas.
Qual seria o motivo? Simples: o plano é indefensável em um regime democrático e republicano. Mas serve de roteiro de maldades do novo governo saído de um golpe.
A constatação do “Plano Temer” como uma bússola de maldades. Ninguém menos que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em entrevista ao jornal Valor Econômico de 20/11/2016 considerou o programa do vice-presidente golpista "excessivamente liberal do ponto de vista econômico”. Vou mais longe: trata-se do mais neoliberal dos todos os programas escritos no Brasil até hoje. Lá se pode antever o conteúdo de um governo pós-impedimento.
Um parêntesis para uma breve digressão. O neoliberalismo se adapta muito bem às ditaduras e regimes de exceção, tanto duradouros como passageiras soluções cenaristas. É público e notório que o primeiro plano econômico neoliberal, antes de Margaret Thatcher na Inglaterra e Ronald Reagan nos Estados Unidos, aconteceu no Chile da ditadura de Pinochet, na década de 1970, conduzido pela assessoria direta de 25 Chicago Boys. Recentemente na Itália, na sequência da crise de 2008 (de 2011 a 2013), assumiu o cargo de primeiro ministro, quase como um interventor, o economista Mario Monti, que não era filiado a nenhum partido (foi o primeiro e único primeiro ministro “independente” ou “avulso" da história da Itália, numa espécie de golpe cesarista).
A grande questão política é que as medidas neoliberais radicais não conseguem ganhar eleições no Brasil. Ninguém vai ganhar uma eleição direta para presidente no Brasil, passar pelo crivo da vontade popular, exibindo de público um programa impossível como “Uma ponte para o futuro”. Como não se ganha eleições com essa programática, advém à tentação de repetir o passado inglório dos golpes brasileiros.
Ato contínuo meu foco neste artigo passa à análise de alguns dos pontos principais de “Uma ponte para o futuro” - o famigerado Plano Econômico do Golpe.

1. Prevalecer o negociado sobre o legislado. Retrocesso dos direitos do trabalho.

Sobre a luta e os direitos dos trabalhadores, o Plano Temer doutrina o seguinte absurdo: “na área trabalhista, permitir que as convenções coletivas prevaleçam sobre as normas legais, salvo quanto aos direitos básicos”.

Sem eufemismos, o que se pretende é ACABAR com a CLT. De vez em quando, essa questão aparece como a necessidade “priorizar o negociado sobre o legislado”, mas felizmente nunca é aprovada no parlamento, pois entram em cena, denunciando, o movimento sindical e os parlamentares comprometidos com os trabalhadores. Todo mundo sabe que o poder de barganha direto, sem a mediação estatal, do capital é muito maior que o do trabalho. Caso essa medida um dia levada a cabo no Brasil, passaremos a ter uma configuração do mundo do trabalho ainda mais terceirizada, precarizada e de baixos salários que hoje.

2. Orçamento Zero. Desvinculação das receitas de saúde, educação e transferência de renda.

O plano faz menção à necessidade de “estabelecer uma agenda de transparência e de avaliação de políticas públicas, que permita a identificação dos beneficiários, e a análise dos impactos dos programas”. Trata-se do famigerado “orçamento de base zero”.

O novo modelo orçamentário se propõe a fazer o inexequível. Instituir no Brasil um orçamento que não existe em nenhuma outra nação civilizada do ocidente: desvincula com uma canetada as receitas para saúde, educação e demais políticas sociais. Essas receitas, em vez dos pisos constitucionais, seriam avaliadas ano a ano, não se sabe bem por quem - certamente um comitê autônomo de burocratas sem mandato popular. Além de derruir o conceito de orçamento plurianual, acabando com o planejamento de longo prazo em relação às políticas sociais, que se veriam à mercê dos ventos da conjuntura, o resultado final desse desatino - alguém dúvida? - seria elevar robustamente a pobreza e a desigualdade.
Políticas e programas sociais, isto é, ações nas áreas da saúde, educação, previdência, assistência, geração de emprego e renda, habitação, saneamento e transporte público devem necessariamente ter continuidade ao longo do tempo. Primeiro, porque as demandas ainda não atendidas são enormes e, segundo, mesmo programas que podem ser considerados emergenciais podem durar anos até que determinada conformação estrutural seja modificada (um exemplo: o Programa Mais Médicos).
E há outro lado: beneficiários de programas ou políticas sociais precisam de segurança, de certeza de continuidade, para que possam ingressar em determinada ação governamental (um exemplo: o FIES ou os programas assistenciais a cotistas). O que se pretende com o tal de "Orçamento de Base Zero” “- uma ideia que vem de setores da administração privada -, aplicado às finanças públicas, é o descompromisso absoluto do Estado com a continuidade de políticas e programas sociais e a desvinculação total de todas as receitas e gastos sociais existentes. Ou seja, um grave retrocesso civilizacional.
3. Ajuste Fiscal restritivo para fazer superávits primários.
Em diversas passagens, o documento afirma que o ajuste fiscal é condição necessária para o crescimento (“... é uma questão prévia” ou ainda “O ajuste fiscal não é um objetivo por si mesmo. Seu fim é o crescimento econômico que, no nosso caso, sem ele, é apenas uma proclamação vazia.”).
Isso é um erro teórico e mostra quanto há de desconhecimento sobre a realidade, inclusive a brasileira. É o crescimento que gera receitas públicas, que reduz déficits orçamentários - e não o contrário. O maior exemplo é o 2º governo do presidente Lula: crescimento médio de 4,5% com déficits nominais de 2,4% do PIB (média do período). Corretamente o governo do presidente Lula não promoveu corte de gastos para melhorar resultados orçamentários.
O assim chamado Documento Econômico do Golpe faz uma crítica ao suposto “excesso de gastos” do governo federal, considerando que esta é a causa do nosso desequilíbrio fiscal. Afirma o documento: “Nos últimos anos é possível dizer que o Governo Federal cometeu excessos, seja criando novos programas, seja ampliando os antigos, ou mesmo admitindo novos servidores ou assumindo investimentos acima da capacidade fiscal do Estado. A situação hoje poderia certamente estar menos crítica.”
O diagnóstico exposto acima é equivocado. Os problemas fiscais somente ocorreram em 2014 e suas causas são bem conhecidas: gastos com pagamentos de juros da dívida da ordem de R$ 311,5 bi, desonerações tributárias excessivas que alcançaram R$ 104 bi e a baixa arrecadação devido ao crescimento pífio da economia. E os problemas fiscais de 2015 estão sendo causados pela política monetária e fiscal do plano de austeridade do governo. Cabe ser enfatizado que de 2005 a 2011, as contas do governo atingiram resultados bastante satisfatórios.
O documento está voltado para estrangular o orçamento das políticas sociais e, para tanto, argumentam que problemas fiscais são as causas de todos os problemas: inflação e juros altos também (são causados pelos gastos ficais sociais). Afirma o documento: “Precisamos de uma trajetória virtuosa em que os novos horizontes das contas fiscais produzam efeitos cumulativos e retro alimentadores nos juros, nos preços e no endividamento, tudo desembocando na volta do crescimento econômico.”
Cabe salientar que: a inflação sempre esteve dentro das metas de 2004 a 2014. Só irá estourar em 2015, mas a causa foi o choque de preços administrados dado pelo Governo (eletricidade e combustíveis) e não um superaquecimento econômico resultante de gastos excessivos do governo. E os juros são altos por pressões políticas de interesses rentistas, nada tem a ver com o controle da inflação (a prova é que temos juros altos e inflação estourando a meta em 2015).

4. Reforma Tributária regressiva em benefício dos muito ricos

A reforma tributária sugerida pelo documento do golpe é vazia e não ataca o problema da regressividade do sistema e suas injustiças. Querem uma reforma para poupar os ricos, milionários, banqueiros e multinacionais. Falam somente em deixar as coisas como estão ou simplificar a parafernália tributária brasileira, como se o sistema tributário fosse um problema menor e aí não estivesse uma das soluções dos entraves atuais. Diz o documento: “Qualquer ajuste de longo prazo deveria, em princípio, evitar aumento de impostos, salvo em situação de extrema emergência e com amplo consentimento social. A carga tributária brasileira é muito alta e cresceu muito nos últimos 25 anos.” E em outra passagem consideram que: “o nível dos impostos e a complexidade tributária, combinados ...[são os maiores responsáveis]... pelos problemas para realizar negócios no país.” Em verdade, o grande problema do nosso sistema tributário é que pobres, trabalhadores, a classe média e funcionários públicos pagam pesados impostos - e ricos, latifundiários, multinacionais... o “andar de cima” é aliviado e não contribui com o desenvolvimento do país.
5. Manutenção da política monetária de juros altos
No diagnóstico fiscal o documento do golpe não considera as despesas com juros o elemento central dos nossos problemas orçamentários. Coloca o problema central nos direitos sociais que impõem custos orçamentários, obviamente. Diz o documento de forma taxativa: “A conclusão inevitável a que se chega é que os principais ingredientes da crise fiscal são estruturais e de longo prazo. De um lado, a falta de espaço para aumento das receitas públicas através da elevação da carga tributária, de outro, a rigidez institucional que torna o orçamento público uma fonte permanente de desequilíbrio.”
Ora, basta lembrar números para desmontar essa “conclusão”: os orçamentos do Bolsa-Família, Minha Casa Minha Vida, abono salarial, seguro desemprego, educação, saúde (tudo somado) não alcança R$ 300bi – enquanto as despesas com juros superarão R$ 500 bi em 2015.
Assim sendo, o Plano Temer não aponta os juros Selic como o elemento principal que faz sangrar o orçamento da União, conclui-se que objetivam fazer todo o esforço fiscal necessário para honrar essa despesa – mesmo que isso signifique sacrificar os investimentos em saúde e educação. Para tanto, defendem que os mínimos constitucionais que devem ser investidos nessas áreas sejam suprimidos, afirma o documento: “...é necessário em primeiro lugar acabar com as vinculações constitucionais estabelecidas, como no caso dos gastos com saúde e com educação...”. Privilegia, dessa forma, banqueiros e rentistas em detrimento de todo o povo trabalhador e pobre.

6. Término da política de reajustes reais anuais do salário mínimo e da vinculação do piso dos benefícios da previdência

Os ataques aos direitos sociais não se limitam à saúde e à educação. Querem quebrar a regra de reajuste do salário mínimo e querem retirar o piso de um salário mínimo dos benefícios da Previdência. Em linguagem um tanto dissimulada afirmam: “Outro elemento para o novo orçamento tem que ser o fim de todas as indexações, seja para salários, benefícios previdenciários e tudo o mais.” Não conhecem a realidade brasileira: o salário mínimo é crucial para elevar todos os rendimentos do trabalho daqueles que ganham rendas baixas ou médias. A valorização do salário mínimo associado à queda do desemprego foi o grande responsável pela constituição do enorme mercado de consumo de massas brasileiro. 90% dos assalariados brasileiros ganham até três salários mínimos e foram beneficiados com a sua valorização. E acabar com o piso do benefício previdenciário é outra demonstração de desconhecimento da realidade ou de insensibilidade social: os elementos que mais contribuíram para a melhoria distributiva de renda nos últimos anos foram: queda do desemprego, aumento dos rendimentos do trabalho e o volume de recursos transferidos pela Previdência Social. São pagos por mês aproximadamente 28 milhões de benefícios, 70% desses benefícios têm o valor do piso: um salário mínimo.
7. Reforma da previdência pela via do aumento da idade mínima
Querem fazer uma nova reforma previdenciária. Falam em déficit da Previdência, que tem um orçamento anual em torno de R$ 500 bi, mas esquecem de dizer que gastaremos R$ 500 bi em 2015 com os rentistas pagando juros. A reforma que propõem está baseada na ideia que precisamos economizar com os “velhos” que recebem benefícios da Previdência para poder gastar mais com os “novos” em educação, por exemplo. Afirma o documento: “A situação é insustentável, pois o país tem jovens para atender, tem problemas de assistência de saúde, de educação, de segurança.” É outro erro: milhões de famílias são sustentadas pelos “velhos” aposentados (avôs e avós), principalmente quando o desemprego aumenta ou em regiões em que o emprego é precário. Reduzir gastos com Previdência pode melhorar a contabilidade das contas públicas, mas certamente piora a qualidade de vida de milhões de pobres, que são os principais beneficiários da Previdência Social no Brasil.
***

Last but not least, o documento mostra inacreditável desconhecimento da economia e da realidade social brasileira, defeito grave a quem pretende governar o Brasil, mesmo que pela via de um golpe. Nele, está escrito assim: “nos últimos anos o crescimento foi movido por ganhos extraordinários do setor externo e o aumento do consumo das famílias, alimentado pelo crescimento da renda pessoal e pela expansão do crédito ao consumo. Esses motores esgotaram-se e um novo ciclo de crescimento deverá apoiar-se no investimento privado e nos ganhos de competitividade do setor externo, tanto do agronegócio, quanto do setor industrial.”
Tudo errado!!! O crescimento apoiado no boom de commodities foi somente entre 2006-2008 (o boom de preços de commodities acabou em 2008), mas mesmo assim nesse período houve forte crescimento do consumo e o soerguimento dos investimentos públicos e privados (o PAC é de 2007). O desempenho econômico extraordinário de 2010 e o impecável enfrentamento da crise financeira internacional de 2009 estão relacionados quase que exclusivamente a fatores internos. Em verdade, a Era Lula foi a Era do investimento. Durante o governo do presidente Lula, a taxa de crescimento do investimento era sempre dois a três vezes maiores que a taxa de crescimento do PIB. Eram investimentos públicos e privados. Em média, pode-se aferir que de cada R$ 10 investidos na economia apenas R$ 2 (ou menos) são investimentos dos municípios, estados e da União. A Era Lula foi a Era onde o consumo privado e o investimento público estimularam o investimento privado. Portanto, não existirá nenhum novo período baseado exclusivamente no crescimento do investimento privado: o empresário somente investe quando percebe o consumo batendo na sua porta e há investimento público em infraestrutura. No recente período democrático, as maiores taxas de investimento aconteceram no governo do presidente Lula. Não podemos aceitar a argumentação que contraria os números de que não houve investimentos naquele período, de que só teria havido consumo das famílias. Dizer isto é má fé e ignorância em relação aos números da nossa economia.
O chamado “Plano Temer” contém muitos outros absurdos, cada um quais a merecer artigos específicos. Vale observar, contudo, que um ajuste neoliberal de tamanha radicalidade, como o proposto por jamais foi intentado por nenhum presidente eleito, nem mesmo Collor ou FHC. Por isso, não adianta por panos quentes nem tergiversar: caso as medidas especuladas sejam confirmadas num eventual “governo Temer” pós golpe, passaremos a viver no Brasil um momento histórico da maior gravidade, nada mais nada menos que o rompimento do contrato social estabelecido nos marcos institucionais da constituição de 1988. Pior: acabará de vez as conquistas da “Era Vargas” e retroagiremos, em termos de direitos sociais, aos tempos da República Velha (1889-1930).
A tragédia que resultará no golpe parlamentar do PMDB, levará gerações de brasileiros a retornarem a patamares do início do século XX. O brasileiro deve acordar para o que as elites tramam e resistam ao golpe. 

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