Alunos da Escola Caetano de Campos, em São Paulo, em 1905| Foto: Divulgação / Escola Estadual Caetano de Campos
Uma educação focada exclusivamente na catequização. Foi assim que nasceu o embrião do ensino no Brasil, em 1549, quando os primeiros jesuítas desembarcaram na Bahia. A educação pensada pela Igreja Católica - que mantinha uma relação estreita com o governo português - tinha como objetivo converter a alma do índio brasileiro à fé cristã. Havia uma divisão clara de ensino: as aulas lecionadas para os índios ocorriam em escolas improvisadas, construídas pelos próprios indígenas, nas chamadas missões; já os filhos dos colonos recebiam o conhecimento nos colégios, locais mais estruturados por conta do investimento mais pesado.
“Os índios são papel em branco”, escreveu, certa vez, o líder jesuíta no Brasil, o padre Manuel de Nóbrega, em carta enviada à corte portuguesa. A educação dos índios, em especial da tribo curumim, era uma tarefa encampada pelo padre José de Anchieta, homem considerado um dos mais atuantes pedagogos da Companhia de Jesus. Para educar os indígenas, Anchieta lançava mão de recursos ainda atuais em algumas escolas brasileiras, como o teatro, a música e a poesia. Por causa de sua obra preservada, especialmente as cartas em que documentava as rotinas escolares, Anchieta pode ser apontado como um dos nomes de maior destaque da história da educação brasileira.
Em outra ponta da educação, com um atendimento diferenciado, estavam os filhos de portugueses. Os descendentes de europeus também frequentavam as aulas dos jesuítas, mas recebiam um ensinamento mais aprofundado, inclusive de outras matérias. O conhecimento repassado aos alunos não se restringia à propagação do ensino religioso, e envolvia mais conteúdo voltado às letras. A diferenciação do ensino para este público privilegiado era um pedido que vinha de cima, feito pela própria elite colonial que morava no Brasil.
De acordo com os registros históricos, a hierarquia familiar dos portugueses funcionava da seguinte maneira: o primogênito teria direito sobre todas as propriedades da família; o segundo filho era enviado aos colégios e, possivelmente, completaria seus estudos superiores na Europa; já o terceiro seria entregue à Igreja para seguir a vida religiosa. A educação letrada no Brasil colonial era direcionada somente aos homens. As mulheres não tinham acesso aos colégios e eram educadas somente para a vida doméstica e religiosa.
Ainda que houvesse uma segregação clara entre os ensinamentos repassados aos índios e aos filhos dos colonos, a educação jesuítica seguia (ou tentava seguir) um documento curricular: o Ratio Studiorum. Elaborado em 1599, a diretriz curricular era a base do conteúdo pensada pela Igreja. No Ratio, constava o ensino da gramática média, da gramática superior, das humanidades, da retórica, da filosofia e da teologia. A partir do ensino das letras, começava a se formar no país uma organização da sociedade hierarquizada pelo acesso à alfabetização. Isto é: teria mais chances de prosperar na colônia aquele que aprendesse a ler e escrever. Nos locais de ensino da Companhia de Jesus, os comportamentos exemplares eram bastante cobrados pelos padres. Os alunos que desrespeitassem os princípios morais cristãos eram punidos com castigos.
Ratio Studiorum, de 1599: conteúdo elaborado pela Igreja
Ao todo, até ser expulsa do Brasil, a Companhia de Jesus criou 25 residências, 36 missões e 17 colégios e seminários. “Talvez a Companhia tenha sido a mais importante, mas tivemos outras ordens religiosas operando no ensino brasileiro”, lembra Rosa Fátima de Souza, professora da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Araraquara.
Em 1750, ano da assinatura do Tratado de Madrid entre Portugal e Espanha, a até então confortável situação da Companhia de Jesus no Brasil começou a se deteriorar. Nove anos depois, ocorreu a expulsão desta ordem religiosa das terras brasileiras. A educação jesuítica guarda poucas semelhanças com o que vemos hoje em dia nas escolas. O legado deixado pelos soldados de Cristo, porém, ainda é muito debatido na academia. Afinal, eles foram os predadores ou construtores da cultura?
Um ensaio da educação pública
A expulsão dos jesuítas, comandada pelo então primeiro-ministro de Portugal, Marquês do Pombal, significou uma remodelação total do sistema de ensino brasileiro. Por ordem do Estado, os jesuítas tiveram seus livros e manuscritos destruídos pelos portugueses, e a religião foi deixada de lado nos currículos. Tratava-se de uma tentativa de introduzir matérias mais práticas no dia a dia escolar. Entre a expulsão dos jesuítas e a organização de um novo modelo no Brasil, no entanto, o país amargou um hiato de cerca de dez anos sem uma escola estruturada.
Influenciado pelos ideais iluministas, Pombal tinha convicção de que era preciso modificar a educação no Brasil. E isso ocorre formalmente em 1772, com a chamada reforma pombalina. Após a instauração dessas mudanças, o Brasil dá seus primeiros passos na criação de um ensino público. A desestruturação da escola jesuíta, porém, fez com que os índios perdessem espaço no sistema de ensino. Por outro lado, a reorganização tornou o professor uma figura central do processo educacional. Neste período, foram criadas as aulas régias, ministradas por docentes concursados, que eram funcionários do Estado. “Portugal foi pioneiro na Europa em criar um ensino público. Era a própria monarquia que pagava o professor. Foram criadas poucas escolas, mas temos nessa época o nascimento dessa semente”, explica Rosa Fátima.
Curiosamente, as aulas régias eram realizadas nas casas dos próprios professores. Essa pulverização dos locais de ensino foi uma das principais dificuldades enfrentadas pelo governo português, que, além de não conseguir dar conta da formação de professores - uma carência histórica no país -, deixou vários jovens sem acesso às aulas. Não havia, também, uma sistematização da idade escolar. Eram atendidas crianças a partir dos sete anos, mas não existia um limite estabelecido para o tempo de estudo. Ainda há muito o que se pesquisar sobre este período, mas o que se tem de documentação histórica mostra que o alcance do ensino após as reformas pombalinas foi menor do que as práticas estruturadas pela Companhia de Jesus, cujo trabalho se espalhou por quase todo o país.
Educação vira lei
Um dos momentos mais importantes da história da educação no Brasil ocorre com a chegada da família real ao Brasil, em 1808, fugida da Europa por conta da invasão napoleônica a Portugal. Em um dos navios vindos da Europa, desembarcaram no Rio de Janeiro cerca de 60 mil livros que, mais tarde, dariam origem à Biblioteca Nacional, na própria capital carioca. A presença da coroa portuguesa impulsionou alguns investimentos na área da educação, aportes que culminaram na criação das primeiras escolas de ensino superior. Estes locais tinham como foco, exclusivamente, preparar academicamente os filhos da nobreza portuguesa e da aristocracia brasileira.
Material didático de Português, utilizado em 1915
De acordo com a historiadora Maria de Lourdes de Fávaro, esses locais tiveram duas características marcantes: o ensino profissionalizante e a preparação para o trabalho no serviço público - ou seja, para exercer diferentes funções na corte portuguesa. Na Bahia, os primeiros cursos criados foram nas áreas de Medicina e Economia. Em 1818, em Salvador, também foi criado o curso de Desenho Industrial. No Rio de Janeiro, além do curso de Medicina, foram abertos locais onde eram ensinadas práticas de agricultura e química. Inicialmente, apenas nesses dois estados as escolas de ensino superior foram instaladas.
Apesar de o país ter se tornado independente em 1822, a educação, durante o período Imperial, não contabilizou muitos avanços práticos. A gratuidade do ensino, estabelecida por determinação da corte portuguesa, não representou, de fato, investimentos em construção de escolas com espaços físicos adequados, muito menos contratação de professores bem formados e uso de métodos e materiais didáticos aprofundados. A falta de prioridade do investimento em educação prejudicou de forma mais significativa as classes populares do país. Os filhos das famílias mais ricas, por outro lado, tinham acesso facilitado ao colégio, e poderiam cursar universidades em Portugal.
Em 1827, foi sancionada a primeira lei brasileira que tratava exclusivamente da educação. O texto, em seu artigo 1º, afirmava que “Em todas as cidades, vilas e lugares mais populosos, haverão as escolas de primeiras letras que forem necessárias”. A nova regra também foi um marco para as garotas, que passaram a se misturar aos meninos nas escolas de letras do Estado. Não havia, ainda, uma duração de tempo definida para o ensino primário, mas a lei foi o início de uma nova forma de organizar o ensino brasileiro.
No artigo 6º, a lei versava sobre as matérias que os professores deveriam ensinar em sala de aula. Constava do texto da lei o ensino da leitura, da escrita e da matemática, além princípios de moral cristã da religião católica e da história do Brasil. No mesmo texto, estranhamente, havia a previsão de que os professores considerados pouco qualificados para lecionar deveriam complementar a sua formação de forma individual - o Estado não bancaria a capacitação do docente. Neste ponto, o governo se isentou de investir e direcionar a capacitação dos profissionais de ensino - sendo que ainda predominavam os professores régios no país, decorrentes da reforma pombalina do século 18.
Só depois de alguns anos que a preocupação com a formação do professor voltou a se tornar uma prioridade. Os concursos para contratação de professores públicos avaliavam, como critério mais importante do que a formação formal, o nível de conhecimento sobre os assuntos de sala de aula. Em 1834, o governo monárquico inaugurou a primeira escola de formação de professores, a Escola Normal de Niterói. Durante os primeiros 50 anos de funcionamento, as escolas normais eram frequentadas quase que exclusivamente por homens.
Durante o período regencial, ocorreu uma reforma na Constituição que dura até hoje. No chamado Ato Adicional, instituído pelo governo, foi definido que o ensino elementar, o secundário e a formação de professores seriam de responsabilidade das províncias, e o ensino superior ficaria sob o guarda-chuva do poder central. Com isso, foi fortalecida a descentralização do ensino, com consequências negativas para a organização da educação no país.
Efervescência de pensamento
Após a proclamação da República, algumas reformas pontuais foram realizadas. A primeira delas foi do ministro da Instrução, Benjamin Constant, realizada em 1890, com foco no ensino superior. As escolas de base, no entanto, não entraram nas prioridades dos primeiros governos republicanos. Uma das heranças do período imperial brasileiro na Constituição Republicana de 1891 foi a manutenção da dualidade do sistema escolar: boas e poucas escolas para as elites e escolas de qualidade duvidosa para os demais. Basicamente, as escolas mantidas pelo governo federal eram destinadas aos mais ricos. Sobravam para as camadas mais pobres os colégios do sistema estadual, que, mesmo com um investimento maior após a lei republicana, eram locais com estrutura carente e composto por professores de baixa qualificação.
A tentativa de mudar essa realidade teve maior impulso a partir da década de 1920. O movimento da Escola Nova ganhou força no ambiente educacional, que sofreu reformas estaduais inspiradas nas ideais escolanovistas. Nomes como o do educador Anísio Teixeira despontaram como lideranças do movimento. A Escola Nova, no Brasil, ficou marcada pela tentativa de tornar a educação mais inclusiva e adotar um modelo mais moderno de ensino, voltado para uma educação prática da vida, tendo como base as ideias do filósofo americano John Dewey.
O modelo de escolas parque, por exemplo, implantado na Bahia e no Distrito Federal, embora tenha fracassado, foi um produto das ideias da Escola Nova. “Alguns estados conseguem se desenvolver mais, como Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, mas em toda parte vemos esse esforço”, diz Rosa Fátima. Neste período, mesmo que com caráter privado, inicia-se uma preocupação com a educação infantil.
Ainda na década de 1920, é fundada a Associação Brasileira de Educação (ABE), criada por Heitor Lira. A entidade tinha a função era promover os primeiros grandes debates sobre a educação em nosso país. Apesar dos esforços para tentar avançar na implantação de um sistema educacional consistente, o analfabetismo entre jovens e adultos, um problema de âmbito nacional, continua assolando a sociedade. De acordo com o IBGE, a taxa de analfalbetismo na década de 1920, para pessoas a partir dos 15 anos, era de 65%. O percentual só foi baixar da metade da população na década de 1940, quando caiu para 40%, o que representava cerca de 15 milhões de pessoas.
Escolas profissionalizantes e a LDB
Com o golpe de 1930, alguns nomes de projeção na educação da década anterior ocuparam posições de destaque no cenário educacional. É no governo ditatorial de Getúlio Vargas que, apesar do controle ideológico que havia nas salas de aula, inicia-se um movimento em direção à criação de um sistema organizado de ensino. Uma das primeiras iniciativas do governo foi a criação do Ministério da Educação - ocupado primeiramente por Francisco Campos - e das secretarias estaduais de Educação.
A Constituição de 1934 foi a primeira a incluir em seu texto um capítulo inteiro sobre a educação. Fruto da forte centralização nacional que marcou o período varguista, o sistema educacional seguia as orientações e determinações do governo federal. A autonomia dos Estados era bastante limitada e regulada. Em 1942, foi regulamentado o ensino industrial. No mesmo ano, surgem as escolas do SENAI, direcionadas, especialmente, às camadas mais pobres da população.
Mas foi só após o governo varguista que a educação apareceu na Constituição como “um direito de todos”. No fim da década de 1940, as escolas secundárias têm forte expansão e, aos poucos, vão perdendo seu caráter elitista, embora o acesso ainda não fosse de todos. Segundo dados do Serviço de Estatística do Ministério da Educação e Cultura, em 1940, eram 155 mil frequentadores dessa etapa escolar. Dez anos depois, o número sobre para 365 mil. No ensino profissionalizante, também, a quantidade de alunos mais que dobra. É nesta época, inclusive, que as ideia do pedagogo pernambucano Paulo Freire ganham repercussão nacional, em especial seus métodos de alfabetização e de educação da população carente.
Capa de livro de História usado pelo Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro, em 1945
Em 1961, é promulgada a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB). Histórico, o documento institui um núcleo de disciplinas comuns a todos os ramos. Mas é na segunda versão da LDB, porém, que se torna possível enxergar um sistema de ensino mais parecido com o atual. “Outra questão é que, neste período, cresce a participação das mulheres no ensino público; a divisão entre os sexos fica quase metade a metade”, compara a professora. Neste documento, de 1971, fica obrigatória a conclusão do primário, fixado em oito anos, e passam a ser utilizados os termos 1º grau e 2º grau - nesta segunda fase escolar, procura-se imprimir um caráter mais técnico, por preferência dos militares que comandavam o país. Essa ideia prevalece até 1982.
Essa estrutura permanece até LDB de 1996, quando entra em vigor a denominação de Ensino Fundamental e Ensino Médio. A mudança ocorrida naquele ano incluiu ambos os períodos como etapas da educação básica, e integrou, oficialmente, a educação infantil, que ganhou mais relevância no cenário nacional.
Apesar da construção educacional brasileira ter uma trajetória de quase 500 anos, o país ainda enfrenta gargalos na área. E o analfabetismo é um deles. O Plano Nacional de Educação (PNE), por exemplo, estabelece que o problema deve ser erradicado até 2025. Números do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), porém, são desanimadores. Em 2017, foram computados 12 milhões de analfabetos, o que representa 7,2% da população adulta - o mesmo PNE, inclusive, estabeleceu uma meta de 6,5% até 2015.
Embora o Ensino Fundamental esteja praticamente universalizado no Brasil, o acesso à educação para crianças entre 4 e 5, que se tornou obrigatório, é de 90%. O dado é ainda pior nas faixas entre 15 e 17 anos, cuja taxa de escolarização é de 87,2%. “A valorização do magistério e as condições de estrutura das escolas são exemplos de coisas que avançamos pouco. Temos escolas ótimas, mas em várias regiões do país há uma precariedade absurda. A valorização do professor é um problema secular no Brasil, o que faz da qualidade do ensino, desde a educação infantil, nosso maior gargalo”, pondera Rosa Fátima."
Por Rodrigo Azevedo, especial para a Gazeta do Povo
Fonte: Gazeta do Povo
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