Luiz Alberto Machado, economista e consultor do Espaço Democrático
“O Estado deve retomar o controle de sua economia; talvez reestatizar o setor elétrico. […] É preciso incorporar o um terço mais pobre que está fora do sistema; e isso não é difícil, pois a própria incorporação pode mover o crescimento.”
Paul Singer (apud Bielschowsky e Mussi)
Considerações preliminares
Os adeptos dessa linha de interpretação costumam se apropriar das ideias de Marx, constituídas de duas partes fundamentais: uma, envolvendo os aspectos filosófico e sociológico, tem base nas formulações do filósofo alemão Hegel; outra, que engloba os aspectos político e econômico, revela as influências de Engels e do economista clássico David Ricardo, respectivamente.
A partir dessa visão geral, utilizam-se da metodologia e dos instrumentos de análise marxistas, como a visão determinista, a concepção materialista da história (ou determinismo econômico), o raciocínio dialético, a teoria da exploração e a teoria da evolução, aplicando-os à realidade brasileira.
Antes de prosseguir, vale a pena discorrer, breve e separadamente – embora os especialistas em teoria marxista se oponham a isso, em função de seu alto grau de complementaridade – sobre cada um deles.
As bases teóricas da visão marxista
De acordo com a concepção materialista da história, as transformações de ordem material determinam todas as transformações de ordem ideológica. Ou seja, as forças produtivas e a maneira de se relacionar capital e trabalho – relações de produção (o que Marx chamou de infraestrutura) é que vão determinar a forma de governo, o regime político, as ciências, as artes, a religião, a ideologia etc. (o que Marx chamou de superestrutura).
A dialética (que Marx adotou, inspirado em Hegel, adaptando-a ao materialismo histórico) pressupõe que todo fenômeno social leva dentro de si o germe da própria destruição, o que é evidenciado pela tríade tese – antítese – síntese. Assim sendo, e tomando com referência a sociedade medieval, podemos dizer que o modo de produção que lhe é característico – o feudalismo – seria a tese; a burguesia surgida como consequência deste período da história corresponderia à antítese, e o novo modo de produção que apareceu em decorrência – o capitalismo – seria a síntese.
Pode-se afirmar, a partir de uma ótica simplista, que a dialética é ao mesmo tempo uma situação fatalista e otimista. Fatalista, pelo fato de que qualquer sociedade (tese) irá fatalmente se transformar, dentro de uma evolução pré-estabelecida e graças ao surgimento de um germe (antítese), num novo tipo de sociedade (síntese), o qual por sua vez será a tese de um novo estágio superior. Otimista, pelo fato de que estando em constante evolução, os estágios superiores ou sucessivos não representarão jamais um retrocesso.
Já o pilar político-econômico do marxismo divide-se em duas partes: a exploração e a evolução.
A exploração pode ser sintetizada na Teoria da Mais-Valia, sendo representada pela fórmula M = C + V + m,
onde
M = Valor total da Mercadoria
C = Capital Constante ( Valor da maquinaria, matéria-prima etc.)
V = Capital Variável (Valor da força de trabalho)
m = Mais-Valia
Das duas componentes que formam o valor total da mercadoria, Capital Constante e Capital Variável, somente o Capital Variável produz a Mais-Valia, que é, genericamente falando, o valor da parcela de trabalho de que o capitalista se apropria.
Marx acreditava ter descoberto as leis da história que explicam e determinam o comportamento das sociedades. Estas leis seriam inexoráveis, devendo fatalmente se cumprir graças à existência de um determinismo entre as forças produtivas, as relações de produção, o materialismo histórico e a dialética. A força motora que modificou a sociedade através da história foi e será a luta de classes (Figura 1).
De acordo com Marx, a história seria uma sucessão de estágios por que passariam as sociedades, sendo estes estágios determinados pelas relações de produção predominantes. A luta de classes seria o fator dinâmico dessa evolução, cujos estágios são: Estágio Pré-Social, Comunismo Primitivo, Modo de Produção Antigo (ou Asiático), Modo de Produção Feudal, Modo de Produção Capitalista, Modo de Produção Socialista e Modo de Produção Comunista.
Ao contrário de outros modelos de análise que consideram apenas variáveis econômicas, os marxistas fazem suas análises partindo de uma perspectiva eminentemente histórica, na qual a sociedade é examinada por meio das diferentes classes que a compõem, relacionando-se entre si. Nessa perspectiva, procuram mostrar o caráter exploratório dos detentores dos meios de produção sobre a classe trabalhadora, que, destituída de propriedade de terra e de capital, vive da venda do único recurso de que dispõe, a sua força de trabalho. Esta é, sempre, a essência da visão marxista, sendo a luta de classes o principal agente determinante da evolução do processo histórico.
Comentários finais
O que se constata na análise da evolução histórica do Brasil é que, a exemplo do que ocorreu em outros países da América, da Oceania e da Ásia (não todos), ocorre a passagem direta da relação escravista de produção (que nos países da Europa é típico do modo de produção antigo) para a relação assalariada de produção, que é típica do modo de produção capitalista. Não se verificou, portanto, nesses países, como na Europa, a relação servil de produção, típica do modo de produção feudal, amplamente dominante durante a Idade Média, que se estende da queda do Império Romano (476 d.C.) à tomada de Constantinopla (1453).
Como se opõem ao sistema capitalista (chamado, por eles, de modo de produção capitalista), os marxistas propõem soluções que passam, invariavelmente, pela supressão da propriedade privada e pela gestão pública dos meios de produção, cabendo ao Estado dar resposta às questões fundamentais da economia: o que, como, quanto e para quem produzir.
Principais nomes
Em geral, procuro evitar rotulações, associando diretamente nomes a determinadas correntes de pensamento, por considerar tal tipo de associação reducionista e perigosa, uma vez que as pessoas podem mudar de posição ao longo do tempo, adotando outras linhas de interpretação. Apesar dessa ressalva, arrisco-me a citar alguns autores que fazem – ou fizeram alguma vez – interpretações do Brasil com base, parcial ou integralmente, na visão marxista. Entre eles, destacam-se: Caio Prado Junior, Nelson Werneck Sodré, Paul Singer, Jacob Gorender, Paulo Freire, Leandro Konder, Theotonio dos Santos e Marcio Pochmann.
Encerro o presente artigo reproduzindo dois trechos do livro Brasil sem industrialização: a herança renunciada, de Marcio Pochmann, nos quais fica clara a abordagem marxista.
As transformações profundas no capitalismo têm como pressuposto condicionante e condutor, a realização de marcante revolução de natureza burguesa. Se, por um lado, estabelece as condições pelas quais se processa a materialidade do desenvolvimento das forças produtivas capitalistas, por outro, consolida a dominação sob a qual o poder burguês termina sendo exercido. (p. 63)
Com isso a expansão da burguesia industrial enquanto fração constitutiva da classe dominante na economia capitalista de exportação revelava sua forte conexão originária com os proprietários cafeicultores, bem como em menor participação inicial dos comerciantes imigrantes de importação e exportação. Isso porque, pela economia cafeeira, a mão de obra assalariada se incorporou à produção, o mercado interno se fortaleceu e a burguesia encontrou uma massa de capital promotora da grande indústria capitalista. (p. 77)
Nos dois trechos, além do uso de expressões que fazem parte do jargão marxista, como “forças produtivas”, evidencia-se a análise baseada na relação de classes, marcadamente classe dominante e classe(s) dominada(s).
Referências e indicações bibliográficas
BIELSCHOWSKY, Ricardo e MUSSI, Carlos (organizadores). Políticas para a retomada do crescimento – reflexões de economistas brasileiros. Brasília: IPEA: CEPAL, 2002.
GORENDER, Jacob. A burguesia brasileira. 3ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1990. (Coleção Tudo é História)
MARX, KARL. O capital: crítica da economia política. Apresentação de Jacob Gorender. Coordenação e revisão de Paul Singer. Tradução de Regis Barbosa e Flávio R. Kothe. São Paulo: Abril Cultural, 1983. (Os Economistas).
MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. O manifesto comunista. Tradução de Maria Lucia Como. 15ª ed. Rio de Janeiro Paulo: Paz e Terra, 1998.
POCHMANN, Marcio. Brasil sem industrialização: a herança renunciada. Ponta Grossa: Ed. UEPG, 2016.
PRADO JR., Caio. História econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1976.
______________ Evolução política do Brasil: Colônia e Império. São Paulo: Brasiliense, 1999.
PRADO JR., Caio e MAXENCE, Fermine. Formação do Brasil contemporâneo. 23ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1996.
SINGER, Paul. Desenvolvimento e crise. São Paulo: Paz e Terra, 1982.
SODRÉ, Nelson Werneck. Formação histórica do Brasil. 11ª ed. São Paulo: DIFEL – Difusão Editorial S. A., 1982.
______________ Brasil: radiografia de um modelo. Petrópolis: Vozes, 1982.
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