Gilles Deleuze foi um filósofo francês, Nascimento: 18 de janeiro de 1925, Paris, França,Falecimento: 4 de novembro de 1995,Paris, França., Educação: Universidade de Paris (1944–1948), Obras: Mil Platôs, Esquizoanálise,Sacher-Masoch: o frio e o cruel, mais, Influências: Félix Guattari, Michel Foucault, Friedrich Nietzsche, mais, Filhos: Émilie Deleuze, Julien Deleuze
GD: Vou lhe dizer. Acho que não existe governo de esquerda.
Não se espantem com isso. O governo francês, que deveria ser de esquerda, não é
um governo de esquerda. Não é que não existam diferenças nos governos. O que
pode existir é um governo favorável a algumas exigências da esquerda. Mas não
existe governo de esquerda, pois a esquerda não tem nada a ver com governo. Se me pedissem para definir o que é ser de esquerda ou
definir a esquerda, eu o faria de duas formas. Primeiro, é uma questão de
percepção. A questão de percepção é a seguinte: o que é não ser de esquerda?
Não ser de esquerda é como um endereço postal. Parte-se primeiro de si próprio,
depois vem a rua em que se está, depois a cidade, o país, os outros países e,
assim, cada vez mais longe. Começa-se por si mesmo e, na medida em que se é
privilegiado, em que se vive em um país rico, costuma-se pensar em como fazer
para que esta situação perdure. Sabe-se que há perigos, que isso não vai durar
e que é muita loucura. Como fazer para que isso dure? As pessoas pensam: “Os
chineses estão longe, mas como fazer para que a Europa dure ainda mais?” E ser
de esquerda é o contrário. É perceber... Dizem que os japoneses percebem assim.
Não vêem como nós. Percebem de outra forma. Primeiro, eles percebem o contorno.
Começam pelo mundo, depois, o continente... europeu, por exemplo... depois a
França, até chegarmos à Rue de Bizerte e a mim. É um fenômeno de percepção.
Primeiro, percebe-se o horizonte.
CP: Mas os japoneses não são um povo de esquerda...GD: Mas isso não importa. Estão à esquerda em seu
endereço postal. Estão à esquerda. Primeiro, vê-se o horizonte e sabe-se que
não pode durar, não é possível que milhares de pessoas morram de fome. Isso não
pode mais durar. Não é possível esta injustiça absoluta. Não em nome da moral,
mas em nome da própria percepção. Ser de esquerda é começar pela ponta. Começar
pela ponta e considerar que estes problemas devem ser resolvidos. Não é
simplesmente achar que a natalidade deve ser reduzida, pois é uma maneira de
preservar os privilégios europeus. Deve-se encontrar os arranjos, os
agenciamentos mundiais que farão com que o Terceiro Mundo... Ser de esquerda é
saber que os problemas do Terceiro Mundo estão mais próximos de nós do que os
de nosso bairro. É de fato uma questão de percepção. Não tem nada a ver com a
boa alma. Para mim, ser de esquerda é isso. E, segundo, ser de esquerda é ser,
ou melhor, é devir-minoria, pois é sempre uma questão de devir. Não parar de
devir-minoritário. A esquerda nunca é maioria enquanto esquerda por uma razão
muito simples: a maioria é algo que supõe – até quando se vota, não se trata
apenas da maior quantidade que vota em favor de determinada coisa – a
existência de um padrão. No Ocidente, o padrão de qualquer maioria é: homem,
adulto, macho, cidadão. Ezra Pound e Joyce disseram coisas assim. O padrão é
esse. Portanto, irá obter a maioria aquele que, em determinado momento,
realizar este padrão. Ou seja, a imagem sensata do homem adulto, macho,
cidadão. Mas posso dizer que a maioria nunca é ninguém. É um padrão vazio. Só
que muitas pessoas se reconhecem neste padrão vazio. Mas, em si, o padrão é
vazio. O homem macho, etc. As mulheres vão contar e intervir nesta maioria ou
em minorias secundárias a partir de seu grupo relacionado a este padrão. Mas,
ao lado disso, o que há? Há todos os devires que são minoria. As mulheres não
adquiriram o ser mulher por natureza. Elas têm um devir-mulher. Se elas têm um
devir mulher, os homens também o têm. Falamos do devir-animal. As crianças
também têm um devir-criança. Não são crianças por natureza. Todos os devires
são minoritários. CP: Só os homens não têm devir homem.GD: Não, pois é um padrão majoritário. É vazio. O
homem macho, adulto não tem devir. Pode devir mulher e vira minoria. A esquerda
é o conjunto dos processos de devir minoritário. Eu afirmo: amaioria é ninguém e a minoria é todo mundo. Ser de
esquerda é isso: saber que a minoria é todo mundo e que é aí que acontece o
fenômeno do devir. É por isso que todos os pensadores tiveram dúvidas em
relação à democracia, dúvidas sobre o que chamamos de eleições. Mas são coisas
bem conhecidas.
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