GOVERNO BOLSONARO PRODUZIU RELATÓRIO
Agiotagem, sonegação, contrabando: o que a Abin diz sobre Luciano Hang
Com vários processos e crimes comprovados, desembargadores de Santa Catarina que podem julgar o empresário, recebem jantar e mimos dele. É imparcial o comportamento deste judiciário?
Agência produziu um documento de 15 páginas em junho de 2020
para alertar o Planalto sobre os ricos da proximidade pública de Bolsonaro com
o dono da Havan
Um relatório produzido pela Agência Brasileira de
Inteligência (Abin), entregue à CPI da Covid no Senado, coloca em dúvida a
lisura dos negócios do dono da Havan, Luciano Hang. O documento foi elaborado
em junho de 2020 e faz um compilado das investigações e suspeitas que recaem
sobre o empresário catarinense para alertar o presidente Jair Bolsonaro (sem
partido) sobre os riscos políticos da proximidade entre eles.
Alguns dos possíveis crimes apontados pelo documento são:
agiotagem, contrabando, evasão de divisas e sonegação. De acordo com o
documento, só na Justiça de Santa Catarina há 25 processos em aberto envolvendo
o braço financeiro dos negócios de Hang.
O documento é classificado como ‘reservado’, grau mais baixo
de sigilo na escala da Abin, mantendo um segredo de cinco anos sobre suas
conclusões. Apesar disso, ele foi repassado a um membro da CPI da Covid e as
informações divulgadas pelo portal Uol nesta terça-feira (22/6).
Detalhes
No texto, que tem 15 páginas, os investigadores traçaram um
panorama histórico da carreira empresarial do dono da Havan. Foram levantados
fatos desde a entrada de Hang no mundo dos negócios, quando ele tinha 21 anos,
até as polêmicas recentes — como a investigação na CPI das Fake News por
suspeita de integrar o chamado gabinete do ódio.
Entre os pontos mais detalhados do relatório, está uma
análise dos dados contábeis da empresa produzida ainda no ano 2000 por uma
estudante de economia da Universidade Federal de Santa Catarina. Na pesquisa,
ela destacava que, já naquela época, o custo fixo mensal das lojas era cinco
vezes maior que o faturamento, o que deveria inviabilizar os negócios.
A Abin também relatou ao presidente Bolsonaro que Hang foi
investigado pelo Ministério Público Federal (MPF) por lavagem de dinheiro,
remessa de dinheiro de origem ilegal ou duvidosa, sonegação fiscal, contrabando
de importados e evasão de divisas. Na época, ele foi acusado de usar o primo
Nilton Hang como ‘testa de ferro’. Os fatos datam da época do 'Escândalo do
Banestado', que estourou em meados de 2003.
Influência e polêmica
Apesar da natureza sigilosa do relatório, parte das
acusações é bastante conhecida pela opinião pública. O envolvimento de Hang com
disparos de mensagens em massa durante as eleições de 2018, por exemplo,
levou-o a ser um dos principais investigados na CPI das Fake News. Em dezembro
de 2020, o Tribunal
Superior Eleitoral (TSE) chegou a pedir a quebra dos sigilos bancário e fiscal do
dono da Havan para amparar a investigação sobre possíveis irregularidades
cometidas por ele.
Hang também foi condenado
em segunda instância pela sonegação de R$ 2,5 milhões por não recolher
a contribuição patronal à previdência devida aos trabalhadores, entre outras
verbas não declaradas ou não pagas.
Ainda segundo o Uol, é comum que a Abin produza esses
documentos sobre figuras próximas à presidência.
Núcleo ideológico de Bolsonaro
O dono da Havan faz parte do chamado núcleo
ideológico do governo Bolsonaro, composto pelos apoiadores do presidente
que se aproximaram dele por afinidades de pensamento em contrapartida à ala
militar. Apesar de não ter cargo público na gestão, Hang é sabidamente
influente no Planalto. Em maio de 2020, por exemplo, a ex-presidente do
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) Kátia Bogéa
denunciou que a própria demissão
teria sido um pedido direto do catarinense depois que o instituto interditou
obras de uma das lojas da rede, no Rio Grande do Sul.
E o prestígio junto ao presidente Bolsonaro não é gratuito,
uma vez que Hang foi um dos principais apoiadores da campanha do político ao
Planalto em 2018. Inclusive, o empresário
foi investigado por coagir funcionários das lojas Havan para que
votassem em Bolsonaro. Além disso, o grupo de donos de capital é usado por
Bolsonaro para pressionar outros poderes e a opinião pública quando precisa de
adesão a ideias impopulares. Como o caso da ‘caminhada’
feita até o Supremo Tribunal Federal (STF), em maio de 2020.
JUÍZ QUE JANTA E ACEITA PRESENTES DE INVESTIGADO E COM PROCESSOS NÃO PODE DECIDIR OU JULGAR SOBRE O DO MESMO
O empresário catarinense Luciano Hang, dono da rede de lojas Havan, recebeu em sua mansão em Brusque (SC) nesta semana, mais de dez juízes e desembargadores do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, em um jantar de Natal.
A reportagem confirmou a presença dos seguintes membros do Poder Judiciário catarinense: desembargadores Stephan Klaus Radloff, Saul Steil, José Everaldo Silva, Tulio José Moura Pinheiro, Haidée Denise Grin, Ernani Guetten de Almeida (ex-procurador do Ministério Público de Santa Catarina), Gilberto Gomes de Oliveira, André Carvalho (ex-procurador do MP-SC) e Jairo Fernandes Gonçalves, além dos juízes Sérgio Agenor de Aragão e Leandro Passig Mendes.
Alguns dos magistrados presentes no evento julgam ou já julgaram processos envolvendo Hang ou sua rede de lojas, dando ganho de causa ao empresário.
É o caso, por exemplo, do desembargador Saul Steil, que aparece sorrindo e brindando na foto do jantar de Hang, em primeiro plano, à direita.
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Em decisão monocrática que proferiu em setembro de 2021, ele determinou que o jornal “Folha de S.Paulo” publicasse um texto a título de direito de resposta a Luciano Hang. O motivo: a publicação de reportagem que informava que o empresário teria sido alvo de um relatório elaborado pela Agência Brasileira de Inteligência, a Abin.
No processo, o jornal afirmou que “o relatório da Abin foi obtido por meio de um integrante daquela agência e teve a sua veracidade corroborada por outras fontes da própria Abin, da Polícia Federal, do GSI – Gabinete de Segurança Institucional – e pelo senador Renan Calheiros, relator da CPI da Pandemia”.
Para o desembargador e comensal de Hang, porém, o fato de a Abin (então sob o comando do general Augusto Heleno) ter negado oficialmente a existência do relatório provava que se tratava de uma notícia que não poderia ter sua veracidade garantida, ainda que Renan Calheiros tivesse confirmado a existencia do relatório.
“Somado à veracidade e ao interesse público, a mídia tem o dever de evitar que o conteúdo difundido afronte os direitos da personalidade de outrem. A liberdade de informação não pode ser exercida com o intuito de difamar, injuriar ou caluniar.”
Outro que já deu vitória a Luciano Hang contra a mesma “Folha de S.Paulo” é o desembargador Jairo Fernandes Gonçalves, que figura sorridente (à esquerda, em primeiro plano) na imagem do jantar bancado pelo empresário.
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Em abril de 2021, ele julgou procedente um recurso de Hang que buscava obter direito de resposta contra o jornal, que havia publicado reportagem sobre disparos ilegais de mensagens via WhatsApp na eleição presidencial de 2018. O título e o subtítulo da reportagem eram: “Empresas bancam disparo de mensagens anti-PT nas redes – Serviços contratados efetuam centenas de milhões de disparos no WhatsApp e ferem a lei eleitoral”.
Para o magistrado, na ocasião, houve “ofensa aos princípios do contraditório e da ampla defesa, assim como do princípio da cooperação, preceitos fundamentais do atual Código de Processo Civil.”
Desembargador fã de Olavo de Carvalho estava entre os comensais
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O desembargador Stephan Klaus Radloff, que figura no fundo à esquerda na foto do jantar de Hang, erguendo sua taça para o brinde, era um fã declarado do escritor falecido Olavo de Carvalho. O magistrado frequentemente comentava as postagens nas redes sociais do ideólogo da extrema direita.
Em uma delas, em que Olavo dizia que “a putada comunista universitária” era incapaz de refutar seus argumentos sobre as contradições do socialismo, o desembargador e comensal de Hang fez coro ao escritor, enaltecendo a “exatidão de sua sentença”, como pode se ver em reprodução abaixo.
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Já em outra postagem, Olavo de Carvalho afirmava que Sigmund Freud, pai da psicanálise, “não entendia porra nenhuma” de assuntos ligados à sexualidade. “Ele só comia a cunhada”, afirmava o escritor, o que foi reputado como verdade pelo magistrado catarinense. Veja reprodução abaixo.
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Nas redes sociais do convidado de Hang ainda é possível ler postagens de conteúdo negacionista em relação aos métodos preventivos utilizados durante a pandemia de covid-19 e foto do desembargador utilizando farda do Exército dos Estados Unidos, além de imagens que mostram seu gosto por artigos de luxo, como bebidas e charutos importados. Veja exemplo abaixo.
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Tribunal de Justiça de Santa Catarina não se pronuncia
No início desta manhã (17), o DCM tentou contato telefônico e enviou mensagem de e-mail para o Tribunal de Justiça de Santa Catarina, convidando o órgão e os desembargadores citados nesta reportagem a comentarem o episódio. As seguintes perguntas foram enviadas à assessoria de imprensa do TJ-SC:
– O TJ-SC considera correto, do ponto de vista ético, que tantos magistrados sejam recebidos em jantar oferecido por empresário que possui dezenas de processos julgados neste tribunal?
– É algo corriqueiro que magistrados deste tribunal atendam a jantares com pessoas que têm processos por eles julgados?
Até a publicação desta reportagem, não houve qualquer resposta. Caso o órgão venha a se pronunciar, o conteúdo será incluído nesta página.
Com informações do Diário do Centro do Mundo
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