por Véronique Dumas*
A internet revolucionou o funcionamento tradicional das sociedades modernas como o fizeram, a seu tempo, a imprensa, a máquina a vapor, a eletricidade ou a telegrafia sem fio (rádio). Hoje parece normal fazer cursos on-line, preencher formulários administrativos a distância ou expressar opiniões em fóruns de discussão. Segundo a última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), realizada em 2009 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 67,9 milhões de brasileiros estavam conectados à internet ou seja, o número de domicílios com acesso à internet no Brasil cresceu 71% entre 2005 e 2009. No entanto, poucos conhecem sua história e as razões de sua criação.
De acordo com o dicionário Houaiss, internet é “rede de computadores dispersos por todo o planeta que trocam dados e mensagens utilizando um protocolo comum”. Ela nasceu no final dos anos 1960, em plena Guerra Fria, graças à iniciativa do Departamento de Defesa americano, que queria dispor de um conjunto de comunicação militar entre seus diferentes centros. Uma rede que fosse capaz de resistir a uma destruição parcial, provocada, por exemplo, por um ataque nuclear.
Para isso, o pesquisador Paul Baran concebeu um conjunto que teria como base um sistema descentralizado. Esse cientista é considerado um dos principais pioneiros da internet. Ele pensou em uma rede tecida como uma teia de aranha (web, em inglês), na qual os dados se movessem buscando a melhor trajetória possível, podendo “esperar” caso as vias estivessem obstruídas. Essa nova tecnologia, sobre a qual também se debruçaram outros grupos de pesquisadores americanos, foi batizada de packet switching, “troca de pacotes”.
Em 1969, a rede ARPAnet já estava operacional. Ela foi o fruto de pesquisas realizadas pela Advanced Research Project Agency (ARPA), um órgão ligado ao Departamento de Defesa americano. A ARPA foi criada pelo presidente Eisenhower em 1957, depois do lançamento do primeiro satélite Sputnik pelos soviéticos, para realizar projetos que garantissem aos Estados Unidos a superioridade científica e técnica sobre seus rivais do leste.
A ARPAnet a princípio conectaria as universidades de Stanford, Los Angeles, Santa Barbara e de Utah. Paralelamente, em 1971, o engenheiro americano Ray Tomlinson criou o correio eletrônico. No ano seguinte, Lawrence G. Roberts desenvolveu um aplicativo que permitia a utilização ordenada dos e-mails. As mensagens eletrônicas se tornaram o instrumento mais utilizado da rede. A ARPAnet seguiu sua expansão durante os anos 1970 – a parte de comunicação militar da rede foi isolada e passou a se chamar MILnet.
(C) Mark J.
Terril / AP Photo / Glow Images
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O engenheiro da
computação Leonard Kleinrock posa junto ao Arpanet
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Outras redes, conectando institutos
de pesquisas, foram criadas nos Estados Unidos, Grã-Bretanha e França. Faltava
estabelecer uma linguagem comum a todas. Isso foi feito com o protocolo TCP/IP,
inventado por Robert Kahnet e Vint Cerf em 1974. A ARPAnet adotou essa
padronização em 1976. E assim começou a aventura da web com seu primeiro milhar
de computadores conectados. O afluxo de usuários engendrou um fenômeno de
sobrecarga. Em 1986, uma nova rede foi lançada pela National Science
Foundation. A ARPAnet se juntou a ela quatro anos mais tarde.
Uma etapa decisiva foi superada em 1990 com a criação, por um pesquisador do Conselho Europeu para a Pesquisa Nuclear em Genebra (Cern), Tim Berners-Lee, do protocolo HTTP (Hyper Text Transfer Protocol) e da linguagem HTML (Hyper Text Markup Language), que permitem navegar de um site a outro, ou de uma página a outra. A World Wide Web (www) lançou seu voo, e a internet se abriu ao público, empresas particulares e privadas. Uma multidão de sites apareceu.
Com uma infraestrutura de comunicação teoricamente desprovida de autoridade central, a internet, todavia, seria gerida de um contrato com o governo americano, que havia financiado sua criação, e diversos órgãos que assegurariam seu crescimento. Foi o caso da Internet Assigned Numbers Authority (IANA), responsável pela gestão dos nomes dos domínios, o DNS (Domain Name System). Graças a ele, os endereços IP, constituídos de uma série de códigos (o endereço numérico atribuído a cada computador conectado à rede) são traduzidos em letras que compõem nomes identificáveis e memorizáveis.
Apesar de gerido pela IANA, o DNS sempre esteve sob controle do Departamento de Comércio dos Estados Unidos. Em 1998, sua gestão foi confiada a uma organização californiana de direito privado, a Internet Corporation for Assigned Names and Numbers (Icann). Em 2009, os contratos que ligavam a Icann ao Departamento de Comércio americano expiraram, e a empresa passou a ter mais autonomia. Sua missão é assegurar, dos Estados Unidos, a coordenação técnica do sistema de denominação. Deve promover também a concorrência e garantir a representação global das comunidades na internet. Os interessados em política mundial da rede podem participar de seus trabalhos, por meio de fóruns acessíveis em seu site na web.
Esse controle técnico e administrativo da internet nos Estados Unidos causa, porém, tensões internacionais. Desde 2003, a Organização das Nações Unidas (ONU) reclama uma gestão “multilateral, transparente e democrática, com a plena participação dos Estados, do setor privado, da sociedade civil e das organizações internacionais”. Em 2006, em decorrência de tal demanda, foi instituída uma estrutura de cooperação internacional, o Internet Governance Forum (IGF). Mas essa instância tem apenas papel consultivo. Ela deve, também, velar pela liberdade de difusão das inovações tecnológicas e ideias. Uma questão essencial, pois a internet se baseia no princípio de neutralidade, que exclui qualquer discriminação da fonte, destinatário ou conteúdo transmitido na rede.
Uma etapa decisiva foi superada em 1990 com a criação, por um pesquisador do Conselho Europeu para a Pesquisa Nuclear em Genebra (Cern), Tim Berners-Lee, do protocolo HTTP (Hyper Text Transfer Protocol) e da linguagem HTML (Hyper Text Markup Language), que permitem navegar de um site a outro, ou de uma página a outra. A World Wide Web (www) lançou seu voo, e a internet se abriu ao público, empresas particulares e privadas. Uma multidão de sites apareceu.
Com uma infraestrutura de comunicação teoricamente desprovida de autoridade central, a internet, todavia, seria gerida de um contrato com o governo americano, que havia financiado sua criação, e diversos órgãos que assegurariam seu crescimento. Foi o caso da Internet Assigned Numbers Authority (IANA), responsável pela gestão dos nomes dos domínios, o DNS (Domain Name System). Graças a ele, os endereços IP, constituídos de uma série de códigos (o endereço numérico atribuído a cada computador conectado à rede) são traduzidos em letras que compõem nomes identificáveis e memorizáveis.
Apesar de gerido pela IANA, o DNS sempre esteve sob controle do Departamento de Comércio dos Estados Unidos. Em 1998, sua gestão foi confiada a uma organização californiana de direito privado, a Internet Corporation for Assigned Names and Numbers (Icann). Em 2009, os contratos que ligavam a Icann ao Departamento de Comércio americano expiraram, e a empresa passou a ter mais autonomia. Sua missão é assegurar, dos Estados Unidos, a coordenação técnica do sistema de denominação. Deve promover também a concorrência e garantir a representação global das comunidades na internet. Os interessados em política mundial da rede podem participar de seus trabalhos, por meio de fóruns acessíveis em seu site na web.
Esse controle técnico e administrativo da internet nos Estados Unidos causa, porém, tensões internacionais. Desde 2003, a Organização das Nações Unidas (ONU) reclama uma gestão “multilateral, transparente e democrática, com a plena participação dos Estados, do setor privado, da sociedade civil e das organizações internacionais”. Em 2006, em decorrência de tal demanda, foi instituída uma estrutura de cooperação internacional, o Internet Governance Forum (IGF). Mas essa instância tem apenas papel consultivo. Ela deve, também, velar pela liberdade de difusão das inovações tecnológicas e ideias. Uma questão essencial, pois a internet se baseia no princípio de neutralidade, que exclui qualquer discriminação da fonte, destinatário ou conteúdo transmitido na rede.
(C) Jason Lee /
Reuters / Latinstock (China)
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Há três anos, a
China criou uma "sub-rede", diretamente controlada pelo governo:
ações como essa contrariam a ideia de uma internet livre para todos
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Já existem mais de 2 bilhões de
internautas no mundo, ou seja, um terço da população planetária. Os progressos
da informática, associados aos do audiovisual e das telecomunicações,
permitiram a criação de novos serviços. Depois do desenvolvimento de redes de
banda larga com fio (ADSL e fibra óptica) e sem fio (wifi, Bluethooth e 3G), e
da internet móvel (WAP), desenvolveram-se outras tecnologias e produtos da
chamada “web 2.0”. Essa segunda geração se caracteriza por suas aplicações
interativas (blogs, wikis, sites de compartilhamento de fotos e vídeos ou redes
sociais), que renovaram a relação entre os usuários e os serviços de internet,
criando o princípio de uma cultura compartilhada em rede.
Assim como a dominação americana da regulação técnica é vista por outros Estados como uma ameaça, o estabelecimento de controles nacionais por meio de sistemas que impedem o livre acesso à internet constitui também outro perigo político para as liberdades individuais.
Em janeiro de 2007, o especialista francês Bernard Benhamou anunciou em um artigo sobre as novas questões da governança da internet que a capacidade de fragmentação da rede apresenta riscos em relação ao plano industrial e político. Ele pensava particularmente na China, que tentou criar seu próprio sistema de endereçamento, independente do DNS. Uma maneira eficaz de bloquear a consulta de seus sites aos internautas de fora e de interditar à população chinesa o acesso aos sites externos.
Isso já é realidade. Há mais de três anos o servidor de nomes de domínios chineses não passa mais pela Icann, para que, de acordo com o governo chinês, seu povo possa aprender os ideogramas, em vez de palavras do alfabeto latino. Essa “sub-rede”, de acordo com a expressão do jornalista Hubert Guillaud, do jornal francês Le Monde, que recebe o nome poético de “escudo de ouro”, é diretamente controlada pelo governo chinês. Não há dúvidas de que esse tipo de internet do Império do Meio, que associa censura e controle, pode rapidamente ser copiado por nações que não utilizam o alfabeto latino. Isso teria como consequência a fragmentação da internet em múltiplas redes incompatíveis.
A “ciberguerra” que opôs Google e Pequim no início de 2010, quando o maior site de buscas do mundo ameaçou deixar o país após ser atacado por hackers chineses e constatar a invasão de contas de e-mails de ativistas de direitos humanos, fez do livre acesso à internet uma prioridade da política externa dos Estados Unidos. A internet se converteu em uma arma política da Casa Branca na luta pela preservação de sua hegemonia comercial e estratégica.
As recentes revoluções na Tunísia e no Egito mostraram o papel determinante da web, dos blogs e das redes sociais na queda de regimes ditatoriais. A internet se tornou “um Titã que ninguém pode conter”, como disse o jornalista tunisiano Taoufik Ben Brik, e essa nova ciber-resistência pode, se não mudar, pelo menos acelerar o curso da história.
Assim como a dominação americana da regulação técnica é vista por outros Estados como uma ameaça, o estabelecimento de controles nacionais por meio de sistemas que impedem o livre acesso à internet constitui também outro perigo político para as liberdades individuais.
Em janeiro de 2007, o especialista francês Bernard Benhamou anunciou em um artigo sobre as novas questões da governança da internet que a capacidade de fragmentação da rede apresenta riscos em relação ao plano industrial e político. Ele pensava particularmente na China, que tentou criar seu próprio sistema de endereçamento, independente do DNS. Uma maneira eficaz de bloquear a consulta de seus sites aos internautas de fora e de interditar à população chinesa o acesso aos sites externos.
Isso já é realidade. Há mais de três anos o servidor de nomes de domínios chineses não passa mais pela Icann, para que, de acordo com o governo chinês, seu povo possa aprender os ideogramas, em vez de palavras do alfabeto latino. Essa “sub-rede”, de acordo com a expressão do jornalista Hubert Guillaud, do jornal francês Le Monde, que recebe o nome poético de “escudo de ouro”, é diretamente controlada pelo governo chinês. Não há dúvidas de que esse tipo de internet do Império do Meio, que associa censura e controle, pode rapidamente ser copiado por nações que não utilizam o alfabeto latino. Isso teria como consequência a fragmentação da internet em múltiplas redes incompatíveis.
A “ciberguerra” que opôs Google e Pequim no início de 2010, quando o maior site de buscas do mundo ameaçou deixar o país após ser atacado por hackers chineses e constatar a invasão de contas de e-mails de ativistas de direitos humanos, fez do livre acesso à internet uma prioridade da política externa dos Estados Unidos. A internet se converteu em uma arma política da Casa Branca na luta pela preservação de sua hegemonia comercial e estratégica.
As recentes revoluções na Tunísia e no Egito mostraram o papel determinante da web, dos blogs e das redes sociais na queda de regimes ditatoriais. A internet se tornou “um Titã que ninguém pode conter”, como disse o jornalista tunisiano Taoufik Ben Brik, e essa nova ciber-resistência pode, se não mudar, pelo menos acelerar o curso da história.
Véronique Dumas é
historiadora e escritora / *Com redação de História Viva
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