Felipe Deveza* |
Os vândalos foram um povo que coexistiu com o Império Romano e no ano de 455 invadiu e submeteu Roma. Saquearam a cidade ao longo de 2 semanas. No século XVIII, temos notícias da utilização do termo para denominar depredações, destruições de obras de arte e prédios públicos.
Essa é a história que todos conhecem. Está lá na Wikipédia, na enciclopédia Barsa e a imprensa vez por outra coloca uma caixa explicativa ao lado de alguma notícia que trate as ações dos tais vândalos e baderneiros. Mas têm outros aspectos dessa história que poucos falam.
Em primeiro lugar o Império Romano era um império escravocrata, e não apenas um centro de arte e cultura da antiguidade, como muitas vezes pode parecer, devido às imagens que chegam até nós. Ou seja, para cada coluna do Senado ou do Coliseu foram necessárias milhares de vidas relegadas ao trabalho escravo, a uma existência de opressão e violência em benefício de uma minoria da elite romana.
E onde esses senhores de escravos romanos conseguiam essa gente para o trabalho escravo? Através da conquista de outros povos, que iam sendo submetidos após as campanhas militares romanas. Será que essa dominação dos povos na expansão do império se deu de forma pacífica? Sinto informar aos que viram as bonitas histórias sobre a "civilização" romana: o domínio desses povos não era feito de maneira pacífica.
Foi uma violência sem fim, povos inteiros sendo submetidos, escravizados, levados para os mais distantes lugares para servir de mão de obra aos interesses imperiais romanos. Mas a história da violência contra os povos submetidos você não conhece. Simples! Os registros das batalhas contra esses povos, gauleses, francos ou celtas foram feitos pelos romanos e, logicamente, foi essa versão que chegou até nós.
Naturalmente, foi assim que aconteceu com o período que ficou conhecido como as Invasões Bárbaras, quando diversos povos que viviam além dos limites do Império Romano atravessaram as fronteiras e pouco a pouco foram destruindo o mundo escravocrata romano.
E o que os vândalos têm com isso?
Eles foram um desses povos que conseguiram ultrapassar os limites do Império, junto com ostrogodos, visigodos e hunos... e no caso dos vândalos, tomaram a capital romana por duas semanas.
E como você acha que esses povos tratariam o império? Com carinho e admiração pelos grandes aportes que essa "civilização" relegou a arte? Claro que não!
E foi mais ou menos nesse contexto que os vândalos voltaram ao vocabulário e começaram a assumir o significado de destruidores e saqueadores. Durante a Revolução Francesa, no período de auge revolucionário, quando muitos dos antigos oprimidos passaram a radicalizar o processo político e lançaram seu ódio contra a monarquia absolutista e suas instituições, foram chamados de vândalos. O inventor da "injúria" foi um padre, membro do clero, antigo aliado do imperador francês que estava apavorado com o ódio das classes populares rebeladas, que ameaçavam avançar sobre seus privilégios sem piedade.
E hoje, não em contexto muito diferente, surge a referência aos vândalos nos jornais e TVs. Nada mais preciso, nada mais coerente.
São as massas populares, saturadas de tanta humilhação, opressão policial, violência e ódio que se lançam contra as instituições que representam o pior que existe no governo.
Vândalos atacam a Alerj! O que queriam? Que se tratasse com carinho um prédio onde se agrupam os piores tipos de delinquentes do Rio de Janeiro? Milicianos, assassinos, corruptos, deputados mafiosos pagos pelas empresas de ônibus. Gente que faz qualquer tramoia para garantir passagens absurdas e impedir o povo de usufruir o mais básico dos direitos: o direito de andar pela cidade, já que todos nós somos obrigados a pagar valores absurdos em nome do enriquecimento de duas ou três famílias donas de empresas de ônibus. Não! Não acho que os manifestantes teriam carinho com uma instituição tão apodrecida como a Alerj, como também não tiveram os vândalos de outrora, ou os populares da Revolução Francesa.
Em épocas de rebeliões, essa história de vândalos só me lembra as palavras do escravo rebelde Spartacus: "Roma treme toda vez que alguém diz não!".
* Felipe Deveza é petroleiro e historiador.
Extraído do Nova Democracia |
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