A crise de liderança e popularidade em que está imersa a presidente
Dilma Rousseff é de conhecimento, no mínimo, das parcelas mais bem informadas
da sociedade. Faltava apenas ter uma noção da gravidade da enrascada. Já não
falta. Ninguém menos do que o seu patrono Luiz Inácio Lula de Silva se incumbiu
de deixar escancarada - a seu modo, bem entendido - a medida do desgaste de sua
protegida, o que hoje parece ameaçar a própria continuidade do projeto petista
de poder. E ele o fez de caso pensado.
Convidado a dar uma palestra no Festival da Mulher Afro,
Latino-Americana e Caribenha, em Brasília, e embora prometesse que não falaria
de política, soltou o verbo durante mais de uma hora sobre a conjuntura
nacional depois dos protestos de junho. Eles refluíram neste mês de férias, mas
podem ganhar corpo novamente depois que o papa se for e o descontentamento
voltar à tona - sem que a presidente tenha se recuperado da dor de cabeça que
as manifestações lhe causaram e que ela agravou com as ineptas tentativas de provar
que assimilou o que diziam.
Nesse cenário, reapareceu o velho palanqueiro que em tudo alega enxergar
uma conspiração das elites. Foi a última linha de defesa em que se
entrincheirou quando achou que o mensalão poderia apeá-lo do Planalto. Deu
certo, à época, porque as oposições vacilaram. E deu certo nas eleições de 2006
porque a massa dos brasileiros, tendo subido na vida, entendeu que, corrupção
por corrupção, antes aquela de que se acusa quem a beneficiou. Agora, recorre
ao mesmo estratagema para defender Dilma - com veemência e agressividade
claramente proporcionais ao definhamento de seu prestígio.
Ele não precisaria advertir que lutará com "unhas afiadas" em
defesa de sua criatura política se a sua popularidade não tivesse despencado 27
pontos em três semanas e se as intenções de voto em seu nome na sucessão de
2014 não tivessem minguado de 51% para 30%, desmanchando os prognósticos de
vitória no primeiro turno (o que, aliás, nem Fernando Henrique nem Lula
conseguiram). Ele tampouco precisaria dizer que o preconceito contra ela é
maior do que teria enfrentado, além da "falta de respeito" de que
seria vítima.
Nem, ainda, reprisaria o já sabido: que não precisa "ser governo
para fazer as coisas neste país". Afinal, como afirmou, usando o plural
majestático e pouco se importando com uma dose de desrespeito pela sucessora,
implícita nas suas palavras, "Dilma não é mais do que uma extensão da
gente lá". E a gente, que não pode sair de lá - só faltou dizer -, vai
continuar "ajudando a presidente" diante da suposta ofensiva dos
conservadores e dos políticos aliados.
Estes entraram na história por ter o presidente peemedebista da Câmara
dos Deputados, Henrique Eduardo Alves, cujo nome preferiu não citar, proposto
que Dilma cortasse 14 dos 39 atuais Ministérios. Quando Lula assumiu, eram 26.
Quando passou a faixa, 37. Conhecendo as prioridades das suas anfitriãs,
aconselhou que ficassem "espertas", porque "eles vão tentar
mexer no Ministério da Igualdade Racial, nos (sic) Direitos Humanos".
Lula decerto associa a crescente animosidade do PMDB em relação a Dilma
à erosão dos seus índices de aprovação e do seu franco favoritismo na disputa
pela Presidência. (As mais recentes pesquisas apontam, em um hipotético segundo
turno, um empate técnico entre a candidata a um segundo mandato e a ex-ministra
Marina Silva, cuja popularidade deu um salto sem precedentes na esteira das
jornadas de junho.) E, de fato, a cúpula peemedebista deu início a uma sondagem
informal junto às bancadas federais do partido e aos seus diretórios nos
Estados sobre o rumo a tomar em 2014. É improvável que a maioria vote pelo fim
da aliança, mas a mera consulta é um inequívoco agravo ao Planalto.
Tantas Dilma apronta que o próprio PT só não se distancia dela porque o
seu nume tutelar desautoriza o "volta, Lula". Mas, se ele precisa
dizer que o partido está "150%" com ela, é porque a situação está
longe de ser confortável para a petista também junto aos companheiros. Dilma
disse certa vez que em época de eleição "podemos fazer o diabo". Lula
sempre o fez e torna a fazê-lo com a desenvoltura que a afilhada até que tenta
copiar, mas não sabe como.
Publicado no Jornal O Estado de São Paulo
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