A provável candidata à Presidência
critica o que chama de “privatização do
Estado” e diz que o combate à
homofobia não pode gerar uma “cristofobia”.
Marina Silva não gosta do termo “capital”, mas ele
é inevitável aqui: dona de
um capital de 20 milhões de votos em 2010, ela é
candidata quase certa às
eleições presidenciais do ano que vem. Nas
primeiras pesquisas de intenção
de voto incluindo os quatro presidenciáveis mais
prováveis, ela aparece à frente
de Aécio Neves e Eduardo Campos. Para ser uma
alternativa em 2014, Marina
precisa primeiro superar um desafio: coletar 500
mil assinaturas para que o partido
que criou, a “Rede”, consiga existir. Ela recebeu a
reportagem de ÉPOCA num
restaurante vegetariano em Brasília. Na conversa,
falou menos do novo partido e
mais de suas ideias sobre o país.
ÉPOCA – O Estado brasileiro é um dos que mais cobram impostos no mundo.
Só que grande parte do dinheiro vai para a máquina do Estado. A senhora não
acha que o Brasil poderia ter menos ministérios e mais dinheiro para a
área
social, como a Constituição de 1988 prevê?
Marina Silva – Na campanha, a gente discutia muito, e não vi nenhum candidato que
Marina Silva – Na campanha, a gente discutia muito, e não vi nenhum candidato que
não estivesse defendendo reforma tributária, todas as
reformas. Depois da campanha, a
única reforma que acontece é a reforma do
compromisso que foi feito durante a campanha.
Em relação a nossos
tributos, se a máquina pública aumenta para atender ao provimento de
bens e
serviços de que a sociedade precisa tem uma lógica. Se a máquina pública
aumenta
apenas para atender à distribuição de cargos dentro do governo para
contemplar bases políticas,
isso acaba se constituindo num imenso prejuízo para
aquilo que deveriam ser os investimentos
públicos estratégicos. O que observo é
a privatização de nacos do Estado pelos partidos.
ÉPOCA – O que a senhora chama de privatização do Estado?
Marina – Os partidos viraram donos de nacos do Estado. Cada partido é dono de
Marina – Os partidos viraram donos de nacos do Estado. Cada partido é dono de
um setor – energia, educação... Não importa o que acontecer, você sabe que
pode
até mudar aquela pessoa, mas o dono daquela cadeira é aquele partido. Um
dia
desses, vi uma notícia que não sei nem se é verdade. Dizia que o Ministério
da
Microempresa ninguém quer. Porque as pessoas querem ministérios mais
avantajados.
ÉPOCA – Por falar em privatizações, qual sua opinião sobre as privatizações do
ÉPOCA – Por falar em privatizações, qual sua opinião sobre as privatizações do
governo FHC e do governo Dilma?
Marina – Algumas privatizações feitas no governo anterior tiveram o problema da visibilidade
Marina – Algumas privatizações feitas no governo anterior tiveram o problema da visibilidade
e da transparência, mas tiveram resultados. Hoje,
ninguém advoga que o sistema de telefonia
brasileira continuasse como era
antes. O Brasil, nos últimos anos, conseguiu privatizar alguns
setores
importantes da economia e preservar alguns que deviam ser preservados. Isso não
significa que as coisas devam ser feitas sempre de cima para baixo, sem
transparência, sem
um envolvimento maior da sociedade brasileira.
ÉPOCA – A Petrobras atualmente atende a algumas demandas governamentais, e
ÉPOCA – A Petrobras atualmente atende a algumas demandas governamentais, e
isso acaba depreciando seu valor. Qual sua opinião sobre isso? A Petrobras
precisa
ser privatizada para se reerguer?
Marina – A Petrobras, com o controle do Estado, se não usada politicamente, cumpre seu
Marina – A Petrobras, com o controle do Estado, se não usada politicamente, cumpre seu
papel. Muitas vezes, porém, empregam-se políticas de
curto prazo para alongar o prazo dos
políticos. A Petrobras é uma
empresa importante, estratégica, que paga um preço em função
dessas ações
que se ligam mais a ações da conjuntura política e econômica. A gente tem de
ter uma visão de longo prazo.
ÉPOCA – O que a senhora acha do pastor Marco Feliciano?
Marina – Discordo dele. Mas discordo dele discordando do governo. Quem negociou a ida de
ÉPOCA – O que a senhora acha do pastor Marco Feliciano?
Marina – Discordo dele. Mas discordo dele discordando do governo. Quem negociou a ida de
Feliciano para a comissão foi o governo, para ampliar a base
política. O governo negocia a
Comissão de Assuntos Econômicos? O governo
negocia a Comissão de Constituição e Justiça
com essa facilidade? Não. Mas as comissões
de Meio Ambiente e de Direitos Humanos o governo negocia.
ÉPOCA – Feliciano foi criticado por uma parcela da sociedade por ser contra o
ÉPOCA – Feliciano foi criticado por uma parcela da sociedade por ser contra o
casamento gay. A senhora é a favor?
Marina – Os direitos civis das pessoas devem ser respeitados. Somos um Estado laico, e
Marina – Os direitos civis das pessoas devem ser respeitados. Somos um Estado laico, e
um Estado laico é para defender os direitos dos que creem e dos
que não creem. As pessoas
têm o direito de ser bem tratadas em igualdade de
condição perante a Constituição Federal,
perante as leis. O que não se pode é
fazer extrapolações. Os direitos civis das pessoas não
podem cercear a
liberdade religiosa. Os padres e pastores têm o direito de continuar fazendo
suas preleções em relação aos princípios de seus livros sagrados.
ÉPOCA – Um pastor pode pregar contra homossexuais?
Marina – Um pastor que é de fato um pastor não prega contra homossexual. Ele não pode ser
Marina – Um pastor que é de fato um pastor não prega contra homossexual. Ele não pode ser
proibido, no entanto, de falar sobre aquilo que a Bíblia considera
pecado. Se houver essa
proibição, em vez de combater a homofobia, você está
criando a cristofobia ou a religiofobia.
Um padre ou um pastor dizer que
homossexualismo, aborto ou qualquer outra coisa que a
gente faça – beber
cachaça, fumar cigarro, sei lá o quê – é pecado, para mim isso não é
discriminação, isso é liberdade religiosa. Se você não acredita em pecado, se
não acredita
em Deus, você não está nem aí se alguém disser “é pecado você
fumar, é pecado você cortar
o cabelo”. Então, isso não é discriminação. Se
alguém vai ridicularizar alguém por ser gay,
onde seja que for, até mesmo num
púlpito, isso não é nem inconstitucional, isso é anticristão.
Não acho que um
pastor possa destratar ou satirizar ninguém por sua condição humana.
"Um pastor que
é de fato um pastor não prega
contra homossexual. Ele não pode
ser proibido, no entanto,
de falar sobre aquilo que
a Bíblia considera pecado"
ser proibido, no entanto,
de falar sobre aquilo que
a Bíblia considera pecado"
ÉPOCA – A senhora é a favor de que a lei do aborto seja mantida do jeito
que está?
Marina – Do jeito que ela está, em relação à situação de risco para a mãe e para o feto,
Marina – Do jeito que ela está, em relação à situação de risco para a mãe e para o feto,
isso já é uma questão decidida e está mantida. Em relação à
legalização das drogas e do
aborto, defendi um plebiscito.
ÉPOCA – Voltando para a questão da educação. Um dos gargalos nessa área é uma mentalidade, dentro da universidade, um pouco avessa à cultura do mérito: fazer
ÉPOCA – Voltando para a questão da educação. Um dos gargalos nessa área é uma mentalidade, dentro da universidade, um pouco avessa à cultura do mérito: fazer
avaliações de desempenho e pagar salários melhores para quem cumpre
determinadas
metas. A senhora acha que é necessário ter uma cultura mais
meritocrática na academia?
Marina – Se a gente exigir a meritocracia como um fim em si mesmo, sem dar as condições
Marina – Se a gente exigir a meritocracia como um fim em si mesmo, sem dar as condições
e as oportunidades para que as pessoas possam adquirir os
méritos, é uma exigência injusta.
Se as pessoas continuam com salários
precários, sem formação continuada para desenvolver
seu desempenho como profissionais,
como você exigirá o desempenho? Se é concedida uma
base de oportunidades para
que as pessoas possam desenvolver suas potencialidades, os
sistemas de
avaliação são bons.
ÉPOCA – Em relação à saúde, é possível alcançar um sistema de
atendimento
universal com qualidade semelhante à do setor privado?
Marina – Eu pergunto: existe essa qualidade mesmo nos planos de saúde? O SUS é
Marina – Eu pergunto: existe essa qualidade mesmo nos planos de saúde? O SUS é
uma engenharia muito bem-feita que, se implementada adequadamente, pode, sim,
dar
um bom retorno. Existe um trabalho que pode ser feito de promoção de saúde
que, infelizmente,
na lógica da saúde no Brasil e em vários lugares, não
acontece. A grande quantidade de agrotóxico
usada nos alimentos, que prejudica
a saúde das pessoas, é algo que deveria ser questionado.
É preciso criar uma
lógica em que a política de promoção de saúde seja tão importante quanto
a
política de prevenção e a política de tratamento. Não é só uma questão de
investimento.
É também isso.
ÉPOCA – A senhora atualmente usa o SUS?
Marina – Uso os dois sistemas. As últimas consultas que fiz pelo Incor, fiz pelo SUS.
ÉPOCA – A senhora atualmente usa o SUS?
Marina – Uso os dois sistemas. As últimas consultas que fiz pelo Incor, fiz pelo SUS.
Vou àquilo que está mais acessível. Se eu estiver numa
crise alérgica como tenho às vezes,
vou no primeiro hospital que tiver.
ÉPOCA – Continuando na área dos programas sociais, dá para imaginar que, a curto
ÉPOCA – Continuando na área dos programas sociais, dá para imaginar que, a curto
prazo, as pessoas que hoje dependem do Bolsa Família possam viver
dignamente
sem essa ajuda estatal?
Marina – O Bolsa Família é cerca de 0,5% do orçamento. E as pessoas fazem um
Marina – O Bolsa Família é cerca de 0,5% do orçamento. E as pessoas fazem um
estardalhaço enorme. O Bolsa Família é um programa de transferência de
renda com
contrapartidas simples, muito eficiente para o combate à miséria
extrema. O que a gente
precisa é ter um programa de inclusão produtiva. Que
possa promover com as famílias
processos de avaliação das oportunidades de que
elas dispõem para que possam se tornar
independentes do Bolsa Família. Existem
programas assim no Chile e, na campanha de 2010, propusemos isso. Porque,
muitas vezes, uma família, ou por falta de informação ou por falta de
tempo,
por uma série de razões, não vislumbra as oportunidades de uma inclusão
produtiva que
lhe tire da dependência.
ÉPOCA – A senhora mencionou a questão da inovação. Por que, em sua opinião, a
ÉPOCA – A senhora mencionou a questão da inovação. Por que, em sua opinião, a
economia brasileira é menos inovadora do que deveria ser? E como fazer para
tornar
a economia brasileira mais inovadora?
Marina – A crise que estamos vivendo não é uma crise só econômica. É uma crise econômica,
Marina – A crise que estamos vivendo não é uma crise só econômica. É uma crise econômica,
social, ambiental e, eu diria, também política e de
valores. Estamos vivendo uma crise
civilizacional. No meu entendimento, o
Brasil é o país que reúne as melhores condições para
a quebra de paradigmas sem
grandes traumas. Somos um país razoavelmente industrializado.
Temos uma base de
recursos naturais fantástica. Somos um grande fornecedor de alimentos e
de
matéria-prima do mundo. É aí que a tecnologia, a inovação, o conhecimento e uma
outra visão
do Estado devem entrar em cena, para fazer com que, paralelamente a
esse modelo que está em estagnação, a gente possa ir criando um novo modelo da
economia, de baixo carbono. A mudança do modelo é uma política que deve fazer
parte de uma agenda estratégica, pactuada com o conjunto da sociedade
brasileira. Na Alemanha, não importa se o governo é social-democrata ou
conservador.
Existe uma agenda comum, que não muda quando o governo muda.
ÉPOCA – A Alemanha é um país que a senhora considera modelo para o Brasil?
Marina – Não acho que é um modelo para o Brasil. Estou dizendo é que eles têm um
investimento de longo prazo para a realidade deles. Podemos ter uma
agenda de longo
prazo que, independentemente de quem seja o partido, deva ser
perseguida e não possa
ser mudada ao sabor da conjuntura. Para mim, o Brasil
está para o século XXI como os
Estados Unidos estiveram para o século XX. No
padrão de desenvolvimento do século XX,
este que está estagnado, eles
conseguiram, competindo com países de cultura milenar,
ser mais desenvolvidos
do que eles. Hoje, a grande esperança para essa estagnação vem
dos países
emergentes. Entre os países emergentes, o Brasil reúne as melhores condições.
"Sou uma
liderança carismática, acho.
E resolvi usar o carisma
que tenho
para
convencer as
pessoas de que não dependam de carisma"
ÉPOCA – A senhora poderia elaborar um pouco melhor o que enxerga como
crise da civilização.
Marina – Vivemos uma crise que se constitui de múltiplas crises. Estamos vivendo
Marina – Vivemos uma crise que se constitui de múltiplas crises. Estamos vivendo
uma crise econômica, uma crise social e uma crise política. E temos uma crise
de valores.
Que, no meu entendimento, é a base para as demais. Quatro grandes
crises configurando
uma crise é uma crise civilizatória. Primeiro, vamos
considerar que não temos acervo de
experiências no enfrentamento de crises
civilizatórias. Os gregos entraram em crise e
conseguiram sair da crise e do
colapso? Os romanos entraram e conseguiram sair do
seu colapso? Os egípcios
entraram e conseguiram sair do seu colapso? Qual é a diferença
entre nós e
eles? É que, nessas crises, enquanto uma nação fenecia, outra florescia. A
crise
não abarcava a totalidade do planeta nem da humanidade. Estamos vivendo
um momento em
que mesmo a civilização ashaninka (indígenas da região do
Acre e Peru), que não contribui em
nada para a crise, está dentro da crise
do mesmo jeito. Há um questionamento de natureza mais
profunda e uma pergunta a
ser feita. Não é o que queremos fazer para sair da crise. É o que
queremos ser
como civilização, como raça humana.
ÉPOCA – O que a Rede tem de diferente dos demais partidos?
Marina – Em primeiro lugar, pensar algo que seja para além das eleições e contribua
com a mudança do sistema político e da cultura política
que a gente tem. No início da
jornada do PT, do PSDB, do PMDB e do PV, eles
também tinham esse objetivo. Passaram-se
algumas décadas, e hoje se configuram
como partidos, mais baseados em estratégias
eleitorais. Outra questão
importante, para nós, é colocar a sustentabilidade como eixo
estratégico do
programa, envolvendo amplos setores da sociedade. Queremos fazer uma
transformação baseada em conhecimento, tecnologia e informação.
ÉPOCA – A senhora acha que a política mudou?
Marina – A política está mudando. É possível conseguir a mobilização de milhares de
Marina – A política está mudando. É possível conseguir a mobilização de milhares de
pessoas pelas redes sociais. Antigamente, para chegar a esses
números, era necessário
um esforço enorme, um sindicato trabalhando um ano,
dois anos mobilizando.
ÉPOCA – Mas qual o efeito prático disso?
Marina – Isso vai transbordar. E já deveria transbordar. Assinatura eletrônica é um direito
ÉPOCA – Mas qual o efeito prático disso?
Marina – Isso vai transbordar. E já deveria transbordar. Assinatura eletrônica é um direito
mesmo só dos políticos? Do presidente da República, do
ministro, do deputado, do senador,
do empresário, do diretor? Ou isso já
deveria ser um direito de todos os cidadãos, ter uma
assinatura eletrônica?
ÉPOCA – A senhora diria para as pessoas que hoje fazem abaixo-assinados irem
ÉPOCA – A senhora diria para as pessoas que hoje fazem abaixo-assinados irem
para as ruas?
Marina – A gente tem de entender que existem formas mistas de política. Quando eles
Marina – A gente tem de entender que existem formas mistas de política. Quando eles
sentirem necessidade de ir para as ruas, irão.
ÉPOCA – Mas ir às ruas é a forma mais eficaz de provocar mudanças concretas?
Marina – Não sei se é a forma mais eficaz, era a nossa forma. E as pessoas não percebem
ÉPOCA – Mas ir às ruas é a forma mais eficaz de provocar mudanças concretas?
Marina – Não sei se é a forma mais eficaz, era a nossa forma. E as pessoas não percebem
que, mais cedo ou mais tarde, isso transbordará. Já está
transbordando. A eleição do
Obama faz parte desse transbordamento. Os 20
milhões de votos que tive não são pelos
meus olhos negros. É parte desse
transbordamento. Para mim, as lideranças carismáticas
têm uma vida curta. E
olha que sou uma liderança carismática, eu acho. E resolvi usar o
carisma que
tenho para convencer as pessoas de que não dependam de carisma.
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