Sistema educacional da década de 70 era sinônimo de excelência na rede pública
Professores são super-explorados por governantes
Jornal do BrasilGabriella Azevedo*
As manifestações que tomaram conta do país nos últimos meses fizeram com que todos os olhares se voltassem para a classe de educadores, que já suplica por atenção há décadas. Com o processo de decadência da carreira cada vez mais intenso, desdobramento inevitável do descaso do governo ao longo dos anos, hoje, a categoria apenas vislumbra de forma saudosista a realidade do sistema público da década de 70, sinônimo de excelência se comparado com a rede particular da época.
Atuante na docência da rede pública de ensino de 1984 até 1998, Lúcia Helena Soares, de 58 anos, afirma que o sistema já teve seus tempos áureos. “Já havia algumas deficiências quando comecei a lecionar, diferentemente de quando eu estudei. Fiz todo meu ensino em escolas públicas, inclusive a faculdade. A estrutura era impecável”.
Hoje, sem exercer mais a profissão, ela aponta que a crescente demanda de estudantes não é acompanhada de forma equivalente pelos investimentos. “Se faz necessário um grande número de pessoas para atuar na área e isso demanda um gasto muito grande. Talvez por isso as administrações públicas desvalorizaram os salários”.
Circunstância que resultou na quebra de paradigmas da condição de educador. “Gradativamente, houve um processo de desvalorização da profissão. Antes, tinha até certostatus dizer que era professor”, afirma Lúcia Helena.
Com péssimas condições de trabalho, baixos salários, extensas jornadas de trabalho, falta de incentivo profissional e perda da autonomia pedagógica, que são apenas alguns dos problemas que os docentes enfrentam para exercer a profissão atualmente, a carreira, que antes era reconhecida, hoje obriga seus profissionais a aderir à greve, que já conta com 80% do efetivo na rede municipal e 40% na estadual.
De acordo com o professor de português e inglês Bruno Souza Norbert, de 30 anos, que leciona nas redes estadual e municipal, a falta de planejamento adequado é um dos maiores desafios a ser enfrentados. “A quantidade de alunos por turma é enorme. É uma professora para alfabetizar 30 crianças ao mesmo tempo, sem auxiliar. As turmas mais avançadas têm pelo menos 35 alunos, chegando às vezes a 50, quando a lei diz que uma turma deve ter no máximo 25 alunos.”
Há ainda problemas estruturais, como cadeiras enferrujadas, ausência de ar-condicionado nas salas, fiação elétrica exposta, falta de preservação do espaço. O professor Marcelo Santana, de 45 anos, que leciona em quatro escolas diferentes da rede estadual, municipal e particular, dá exemplos da falta de investimento público. “Na rede municipal, as cadeiras são todas enferrujadas. As salas são extremamente quentes, sem ar-condicionado, e no verão fica insuportável”.
Todos esses fatores geram falta de perspectiva nos novos profissionais que ingressam na docência e faz com os jovens não se sintam atraídos pela carreira. E o velho simbolismo de lecionar se perde para os mais experientes. Antes considerada profissão de prestígio, hoje, a carreira de magistério tem baixa procura nas universidades.
Na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), os inscritos para o curso de Letras Português/Literatura no vestibular de 2004 ultrapassava a marca de 600. Seis anos depois, no vestibular de 2010, os concorrentes não passavam de 480. No mesmo ano, o vestibular para o curso de Licenciatura em Matemática recebeu apenas 174, enquanto em 2004, os inscritos ultrapassavam os 300.
E os novos docentes que chegam para integrar o quadro de profissionais desistem por conta das dificuldades. É o que afirma Bruno Norbert, que aponta as condições de trabalho como principal fator para esse processo. “Muitas vezes, o magistério acaba sendo um primeiro emprego para muita gente. Os profissionais vivem em uma crise constante, pois amam o que fazem, mas não vão aguentar muito tempo”.
A falta de autonomia pedagógica da categoria também demonstra como os governos estadual e municipal negligenciam a carreira. “O material utilizado é totalmente imposto. Hoje, a educação é medida por metas. E essa meta é calculada a partir de uma prova de múltipla escolha preparada pela secretaria. A rede toda faz a mesma prova”, afirma Norbert.
No caso do professor de filosofia e sociologia da rede estadual, César Roberto Milman, de 30 anos, que leciona em quatro instituições diferentes, a grande dificuldade é o deslocamento. “Dar aulas em locais diferentes é complicado. Tem escola que eu vou pra dar um tempo só de aula, para completar a carga horária. Eu fico sobrecarregado”. O docente dá aulas em quatro bairros diferentes, da Zona Norte e da Baixada Fluminense.
Em tempos de manifestações e cada vez mais sucateamento do sistema educacional, os governos do Estado e do Município do Rio de Janeiro tiveram postura impassível. Afirmam que não há dinheiro para ceder a todas as reivindicações. Enquanto isso, a Prefeitura é acusada de não investir a totalidade da verba do Fundeb (incentivo Federal voltado para a valorização do profissional do magistério) na área da Educação e a gestão de Sérgio Cabral fecha dezenas de escolas, com a justificativa de corte de gastos.
*Do programa de estágio do Jornal do Brasil
Um comentário:
Eu acho um absurdo falarem que a gestão do Sérgio Cabral cortou custos da educação... ele foi o governador que mais investiu nessa área!
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