Governador em exercício diz ainda que 'se Dilma não sofrer impeachment, devia fazer um governo de conciliação'
AZIZ FILHO E EUGÊNIA LOPES
Rio - A oposição pode mergulhar o país no caos se derrubar o governo sem base jurídica, alerta Francisco Dornelles (PP): “O governo que assumir vai tomar medidas impopulares. Pode aumentar o desemprego, o custo de vida, cortar benefícios. Pode tornar o país ingovernável”. Em 1954, ele viu o primo Getúlio Vargas sair da condição de presidente odiado para a de herói, ao se matar diante das denúncias de corrupção. Hoje compara outro parente, o senador Aécio Neves (PSDB), a Carlos Lacerda, algoz de Vargas: “O Aécio está muito udenista.” Ex-ministro de Fazenda, Trabalho, Indústria e Comércio, ele dá dicas para a presidente retomar o crescimento em vez de agir só em função da Lava Jato.
ODIA: O PP vai ocupar o Ministério da Saúde?
Dornelles: Estão oferecendo dois ministérios ao PP: Integração Nacional e Saúde. Integração já temos, mas eles querem mudar o ministro. Parece que é Cacá Leão. Para a Saúde, está aparecendo o Ricardo Barros. Eu o indicaria para qualquer ministério porque tem uma capacidade de articulação grande, é trabalhador, e votou no Aécio (Neves).
Mas para indicar ministros o partido terá que votar contra o impeachment. O senhor é contra?
O impeachment é uma coisa muito séria para ser feita com base na vontade de cada pessoa. Você tem que examinar a Constituição e verificar se há condições jurídicas. Se fizer impeachment sem respeitar os princípios constitucionais, o Supremo pode mudar, derrubar.
O afastamento da presidente não pode ser resultado de um julgamento de cunho político?
O julgamento pode ser político, mas os argumentos têm que ser jurídicos. No dia 23 de agosto de 1954, o Brasil todo chamava Getúlio (Vargas) de ladrão, dizia que ele tinha que sair. O (Carlos) Lacerda era o líder deles. No dia 26 de agosto, o Lacerda estava refugiado na embaixada de Cuba. Não estou dizendo que vai haver o mesmo, mas a massa é muito fluída. Movimento de rua é importante, mas não pode ser base para impeachment.
As pedaladas fiscais não são motivo, como indicam os juristas autores do processo?
Acho que não são.
Seu primo, o senador Aécio Neves é um dos maiores defensores do impeachment. Tem conversado com ele?
Não. O Aécio está muito radical, muito udenista. Ele está dizendo que vão deixar ela sangrar para fazer o impeachment.Acho que o PSDB está um partido muito udenista.
O senhor vê alguma semelhança entre a crise de hoje e a de 1954, quando Vargas se matou?
A semelhança é querer tirar um presidente com base em movimento de rua. Diziam que o governo de Getúlio era um mar de lama, corrupção. Quando ele morreu, tudo sumiu, não provaram nada. O serviço de inteligência do governo é muito deficiente. Tinha de descobrir as causas da insatisfação. E ver o que pode ser feito para a retomada do crescimento.
Qual é a sua receita?
Primeiro, fortalecer a Petrobras. Segundo, fazer um acordo de leniência com essas empresas que participaram desse jogo dito sujo. Elas têm que voltar ao mercado pelos seus conhecimentos técnicos e a capacidade de gerar empregos. Em terceiro lugar, agilizar as concessões, como das estradas e de energia. Em quarto, deixar o câmbio flutuar. Essas medidas tinham que ser tomadas com urgência, não podem esperar mais. A insatisfação política é consequência dos problemas econômicos. Não é a política que gera o problema econômico.
A presidente é capaz de reverter esse quadro econômico em curto prazo?
O governo está todo voltado para a crise política. Não está governando, tomando iniciativas. Devia ter um grupo só para cuidar da crise, da Lava Jato. E outro para governar. A Lava Jato está pautando o governo.
Dilma tem condições de barrar o impeachment?
Se atuar com competência, sim. Precisa de 172 votos. A imprensa é a favor do impeachment, e o movimento de rua mobiliza os deputados.
Qual a diferença da crise atual com a de 1964, que levou ao golpe?
O problema ali foi uma radicalização feita pelo próprio governo. O governo queria reformas de base. Em 31 março de 1964, eu estava em Genebra, peguei o trem para Paris. Fui com o embaixador que presidiu a sessão da ONU em Genebra. Quem entra na nossa cabine? Che Guevara. Ele conhecia o embaixador e disse: ‘Esse João Goulart é um incompetente. Como ele coloca todos os aliados dele na praça e vai para casa dormir? Os adversários liquidaram ele no dia seguinte. Ele pensava que tinha o apoio do Exército. O Exército é força burguesa. Como ataca os direitos da burguesia e acha que vai ter o apoio do Exército?” O problema básico ali de 1964 foi que o Jango jogou um discurso ameaçando as classes dominantes. Fez o discurso, fez a ameaça e não agiu. Faltou processo decisório. Ele ameaçou todo mundo e na hora sumiu.
O senhor vê semelhança entre o clima de radicalização daquela época e o de agora?
Não vejo o governo radicalizando. Mas acho que pode radicalizar. Acho que, se houver o impeachment da Dilma, vamos ter uma instabilidade. Porque o PT não sabe governar, mas sabe fazer oposição muito bem. E o governo que assumir dentro da linha conservadora vai tomar medidas muito impopulares. Pode aumentar o desemprego, o custo de vida, cortar alguns benefícios sociais. Pode tornar esse país ingovernável, o caos.
Se Dilma conseguir permanecer no cargo, terá condições de governar?
Política é a ciência de brigar e fazer as pazes. Se ela não sofrer o impeachment, deveria esquecer tudo e fazer um governo de conciliação para chegar até o final. O Michel Temer também, se assumir, tem que fazer um governo de conciliação. E assim mesmo vai ter dificuldades com o PT.
O senhor já viu algum vice-presidente articular um movimento para derrubar o governo, como Michel Temer está fazendo?
Não sei até que ponto foi o sofrimento que o Temer teve. Se foi desprezo, se foi humilhação, algum desgosto. Ou então foi realmente uma ambição sem muita base.
Pode ser a mosca azul?
Pode ser. Mas a mosca azul não nasce na cabeça de quem é bem tratado.
O senhor vê alguma semelhança com o clima político que levou ao impeachment de Collor?
Considero a Dilma uma pessoa séria, honesta. Uma pessoa que contra ela não se pode alegar qualquer desvio de conduta. E, no caso de Collor, a principal causa do afastamento foram as acusações pessoais de desonestidade, com série de provas.
A Dilma agiu corretamente ao nomear o ex-presidente Lula ministro da Casa Civil?
Ela tem todo o direito de nomear o Lula ministro. Agora o processo foi judicializado, não adianta eu achar ou não achar. Quem tem que achar é o Supremo. Aliás, o procurador Janot diz que ela pode nomear, mas que o Lula não tem direito a foro especial. Isso eu não entendi. Se ele é ministro, ele tem direito a foro privilegiado. É uma tese.
Eduardo Cunha é réu na Lava Jato. Ele tem condições de presidir o processo contra Dilma?
O deputado Eduardo Cunha é um gênio, tem inteligência acima do normal. Está sendo denunciado, mas não foi condenado. Não há impedimento jurídico para ele presidir o processo.
Fonte: O jornal O Dia dia 31/03/2016
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