Você está
sendo enganado, caro leitor. A trapaça narrativa funciona em três etapas. Na
primeira, um sujeito pergunta qual é o contrário de preto e alguém responde que
é branco. Em seguida, ele pergunta qual é o contrário de claro e alguém
responde que é escuro. Por último, o mesmo indivíduo pergunta qual é o
contrário de verde, mas ninguém responde, pois isso, obviamente, não existe.
Só que
não é verdade. O contrário de verde é maduro, embora você não tenha pensado
nisso. O problema é que fomos induzidos a pensar em termos cromáticos,
esquecendo que um raciocínio mais complexo nos levaria a ver outros lados da
questão.
A
narrativa do impeachment carrega o mesmo vício. Quando um jurista é perguntado
se o impedimento da presidente é golpe, ele responde que não, já que o
instrumento está previsto na constituição. Ou seja, é branco, não é preto. Mas
se a pergunta vier acompanhada do termo "sem crime de
responsabilidade", a resposta será diferente. Nesse caso, como tal crime
está sujeito a interpretações, pode ser golpe. E há muitos juristas que
acreditam nisso. Ou seja, o contrário de verde existe e é muito provável que
seja a palavra "maduro". É muito provável que seja um golpe.
O golpe,
no entanto, não é apenas na presidente. Se o pensamento da população é
conduzido por uma narrativa viciada e massificada, o golpe é em todos nós, que
acabamos caindo em uma espiral de concordância sem crítica, tratados como
boiada, uma simples massa de manobra.
Já faz
alguns anos que somos inundados com um enredo sobre a crise que culpa apenas um
partido. É muito provável que ele seja culpado, mas será o único? Não
deveríamos pensar na responsabilidade do Congresso, dos empresários corruptores
e na nossa própria parcela de culpa?
E o que
dizer sobre os motivos para o impeachment? Será que estamos informados sobre as
tais pedaladas fiscais? Você, caro leitor, sabe o que elas significam e por que
foram apresentadas como razão para derrubar a presidente? Você sabe que o
processo foi aceito por um presidente da câmara que é réu no STF? Sabe que, em
caso de impeachment, assume o partido que está há trinta anos no poder e tem
diversos envolvidos na operação Lava Jato?
O
jornalismo não é o espelho da realidade, como nos fazem acreditar. O jornalismo
ajuda a construir a própria realidade através da narrativa dos fatos, que se dá
pela escolha de linguagens, entrevistados, ângulos etc. Tais escolhas são
feitas por indivíduos que têm preconceitos, juízos de valor e diversos outros
filtros. Inclusive o autor deste texto, de quem você deve desconfiar em
primeiro lugar.
Não vai
ter golpe se você fizer uma crítica constante da informação que recebe.
Não vai
ter golpe se você procurar ouvir os diversos lados da questão.
Não vai
ter golpe se você descobrir que o contrário de verde não é amarelo.
Nem
vermelho.
Felipe Pena é jornalista, psicólogo e escritor. É autor de 15
livros, entre eles o romance Fábrica de Diplomas.
Leia mais: http://extra.globo.com/noticias/brasil/contra-a-corrente/nao-golpe-muito-pior-19003696.html#ixzz44xCrUeVIVocê está sendo enganado, caro leitor. A trapaça narrativa funciona em três etapas. Na primeira, um sujeito pergunta qual é o contrário de preto e alguém responde que é branco. Em seguida, ele pergunta qual é o contrário de claro e alguém responde que é escuro. Por último, o mesmo indivíduo pergunta qual é o contrário de verde, mas ninguém responde, pois isso, obviamente, não existe.
Só que
não é verdade. O contrário de verde é maduro, embora você não tenha pensado
nisso. O problema é que fomos induzidos a pensar em termos cromáticos,
esquecendo que um raciocínio mais complexo nos levaria a ver outros lados da
questão.
A
narrativa do impeachment carrega o mesmo vício. Quando um jurista é perguntado
se o impedimento da presidente é golpe, ele responde que não, já que o
instrumento está previsto na constituição. Ou seja, é branco, não é preto. Mas
se a pergunta vier acompanhada do termo "sem crime de
responsabilidade", a resposta será diferente. Nesse caso, como tal crime
está sujeito a interpretações, pode ser golpe. E há muitos juristas que
acreditam nisso. Ou seja, o contrário de verde existe e é muito provável que
seja a palavra "maduro". É muito provável que seja um golpe.
O golpe,
no entanto, não é apenas na presidente. Se o pensamento da população é conduzido
por uma narrativa viciada e massificada, o golpe é em todos nós, que acabamos
caindo em uma espiral de concordância sem crítica, tratados como boiada, uma
simples massa de manobra.
Já faz
alguns anos que somos inundados com um enredo sobre a crise que culpa apenas um
partido. É muito provável que ele seja culpado, mas será o único? Não
deveríamos pensar na responsabilidade do Congresso, dos empresários corruptores
e na nossa própria parcela de culpa?
E o que
dizer sobre os motivos para o impeachment? Será que estamos informados sobre as
tais pedaladas fiscais? Você, caro leitor, sabe o que elas significam e por que
foram apresentadas como razão para derrubar a presidente? Você sabe que o
processo foi aceito por um presidente da câmara que é réu no STF? Sabe que, em
caso de impeachment, assume o partido que está há trinta anos no poder e tem
diversos envolvidos na operação Lava Jato?
O
jornalismo não é o espelho da realidade, como nos fazem acreditar. O jornalismo
ajuda a construir a própria realidade através da narrativa dos fatos, que se dá
pela escolha de linguagens, entrevistados, ângulos etc. Tais escolhas são
feitas por indivíduos que têm preconceitos, juízos de valor e diversos outros
filtros. Inclusive o autor deste texto, de quem você deve desconfiar em
primeiro lugar.
Não vai
ter golpe se você fizer uma crítica constante da informação que recebe.
Não vai
ter golpe se você procurar ouvir os diversos lados da questão.
Não vai
ter golpe se você descobrir que o contrário de verde não é amarelo.Nem vermelho.
Felipe
Pena é jornalista, psicólogo e escritor. É autor de 15 livros, entre eles o
romance Fábrica de Diplomas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário